Quão de pronto nossos pensamentos se atiram a um novo objeto, erguendo-o por um pouco, assim como formigas que carregam febrilmente uma lasca de palha e depois a abandonam...
Virginia Woolf
Virginia Woolf
A Marca na Parede. Esse é o título de um conto de Virginia Woolf (publicado em 1917), exemplo da sua escrita poética da existência. Enquanto olha um ponto preto na parede, o pensamento passeia pelos mais diferentes temas filosóficos da vida.
Sempre tive uma casa que parecia um mercado de artesanato. Por entre tantos quadros, posters, arte popular, recuerdos de viagem, cartões postais especiais emoldurados, cerâmicas, e tantos outros objetos de valor afetivo.
Como mudei de casa, tudo isso ficou embalado. Quando chego num lugar novo, e não cheguei em muitos, aprecio ficar um tempo com as paredes brancas. O silêncio das cores. O apaziguamento do olhar. E também para sentir o espaço. As paredes. Sem a interferência dos objetos, só o vazio a experimentar.
Nesse meio tempo, uma faxina. Casa de molduras, novos passpartout, vidros quebrados, quadros danificados, afinal não sou museu e não tenho a expertise para manter intactos as sombras e rastros de uma vida toda. Muita coisa rachou, literalmente, nesse tempo todo meu.
Mas, eis que chega uma hora que as caixas de papelão no meio da sala começam a incomodar. E a tarefa se impõe à minha frente: pregar os quadros nas paredes.
Como tudo na vida, existe um milhão de possibilidades em arrumar os quadros nas paredes. Separados, juntos, medidos, desiguais, combinando, des-combinados, ir-regulares ou não, cores, preto e branco, simétricos, assimétricos...
Como prego quadros? Acho que como um pintor, que vai experimentando as cores com a palheta, os pincéis, e a terebintina. Ou um poeta que pensa nas palavras, lê em voz alta, constrói aqui, para des-truir acolá. E como uma leitora impressionista, vou selecionando os maiores, os mais novos, os mais coloridos, e mais importantes para os espaços principais da casa. E vou pregando, sem medo, arrisco. E logo surge uma nova paisagem, com aqueles objetos que me acompanham toda a vida. Um espelho? Talvez! A minha nora, Bruna, quando entrou em casa, certa vez, à noite, exclamou: “Agora, está a sua cara!” E fiquei me perguntando qual a minha cara? Eu e as paredes? Eu e os objetos? Mas eles estão fora do lugar! Todos misturados. Outras composições. Mas mesmo assim, vou pintando a minha cara!
Um pequeno cartão da Cornualha? Quero logo ali, à minha vista. Para não esquecer de um passeio de cinema – Polperro e as gaivotas. Os pratos de Miguel dos Santos, Maria dos Mares e Chico Ferreira? Na varanda, em meio às plantas. Onde me balanço olhando a lua. Ou simplesmente contemplo a rua. Os pássaros de Bento/Sumé? voando de uma prateleira à outra... ou até a alguns quadros de Flavio Tavares.
Assim como Woolf falando do pensamento, do conhecimento, da natureza e/ou simplesmente a olhar uma marca na parede, eu também tenho as minhas marcas. Nas paredes, ou nos objetos. E ao espalha-las pela casa aleatoriamente, uma nova ordem/vida se constrói. A minha. Única e intransferível. Poderia ser outras? Sim. Outras tantas! Assim como os caminhos que tomamos e as escolhas que fazemos – Corra Lola Corra!
“Ah! a marca na parede? Era um caramujo!”