DE “DeuS E OUTROS QUARENTA PrOblEMAS”
Gênio, não tenho.
Me empenho.
Essas palavras me soam como “Os morcegos não são aves, mas
voam”.
Como evitar que o poema seja um rio não mapeado, que a vereda em que você está o cruze... e saia seca do outro lado?
Como fazer com que,
criado,
ele cause a sensação,
anterior,
de que ... faz falta,
como ao Corcovado faz – na foto do Rio Antigo – o Redentor?
Como criá-lo com a naturalidade com que laranjeiras dão laranjas,
e os jardins - em seus delírios - cravos, orquídeas, cachos de lírios,
a força da natureza irrompendo,
sem planos,
com o mesmo ímpeto da Torre do Diabo,
ao vir do chão,
gigantesca,
nos Estados Unidos,
há 40 milhões de anos?
Sinto-me,
no entanto,
levado pelo mesmo impulso
(primitivo, um tanto técnico, artístico, prático, místico)
dos que ergueram o grande círculo de Stonehenge além das possibilidades
e meu problema começa justamente quando não consigo sequer definir a versatilidade desse... xis – metido em êstases, paichões e ezageros sem nékso - na missão que assumiu meu cérebro,
aqui,
nesta humana,
precária,
caixa craniana.
Ah,
nem ao menos tenho um plano de como flagrar coisas como esse trem ... que me leva, estação a estação,
no ano!
Enquanto isso,
o sol,
poeta,
ao ver o preso a dormir no chão,
passa-lhe,
pela grade,
a tepidez de seu cobertor xadrez.
E os Beatles,
grandes mestres,
cruzam a faixa de pedestres da Abbey Road
e,
ao mesmo tempo,
como se vê,
a capa do seu LP.
Grande poeta,
o fotógrafo que flagra a rima entre a velha - que vai, encurvada, na calçada -, e a sombra dela, vulto enorme- urco, escuro - a segui-la, sinistramente, no muro.
Que rima a nuvem carregada
e Beethoven;
a San Francisco destruída pelo abalo da terra,
e Berlim - pela guerra.
Veja o olhar do velho doente,
deitado,
em pijama,
a rimar com o do cão debaixo da cama.
Poema... é problema,
se não se faz o ovo já com gema;
o abacate, com caroço;
a necrópole já na metrópole;
a carne já com osso.
Há uma rima entre o ser e o não ser... que não sei como fazer,
nem a da noite com o dia, tristeza e alegria.
O mote “elo perdido” finco – atrevido - na locomotiva a vapor, que em 1845 puxa - pela primeira vez, é de se supor – três carruagens, tipo diligências, que são rimas e embriões ligeiros das longas sequências futuras de vagões de passageiros.
Quem
tal poema... evolucionista... superaria?
Há quem possa fazer uma rima melhor que a carroça,
em que o galope do cavalo tem tradução simultânea nas rodas,
pra arredondá-lo?
Quem cria versos que superem a creche de flores em festa, na seriedade da floresta,
a geometria fractal e o sossego
das ruinas de um templo grego?
Todo poema é um problema
se não pode, como o espelho – discreto, desmemoriado – tudo transmitir ao vivo,
sem nada deixar
gravado.
Todo poema é problema, se não exato como o prato no tamanho da fome; o copo, no da sede; a cama, no do sono.
Todo poema é problema.