Em homenagem a bell hooks, que faleceu ontem, 15 de dezembro de 2021
Este é o título do romance da americana Toni Morrison, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura, 1993. Esse livro foi escrito entre 1962 e 1965 e, como ela afirma no posfácio, “é uma tentativa de dramatizar a opressão que o preconceito racial pode causar na mais vulnerável das criaturas: uma menina negra”.
O Olho Mais Azul foi o primeiro romance da autora e “conta a história de Pecola Breedlove, uma menina negra que sonha com uma beleza diferente da sua. Negligenciada pelos adultos e maltratada por outras crianças por causa da pele muito escura
Há muitos anos li Amada, de Morrison, o que já havia me deixado com as carnes trêmulas, mas só agora, mergulhei nesse livro de me deixar atônita e doída, por ser uma história escrita no início dos anos 60 e ainda se manter tão atual em estado bruto de sangramento; por uma ferida ainda tão exposta como a do preconceito racial de todas as suas formas mais perversas.
A personagem de Pecola possui uma feiura desconcertante e que sonha com olhos azuis como os da atriz prodígio americana Shirley Temple; sua mãe, Polly, prefere dedicar o seu amor à família branca para quem trabalha, numa clara inversão de opressão; seu pai, Cholly, a oprime e bebe; e as outras crianças — inclusive a narradora Claudia, uma espécie de alter ego de Morrison — fazem o ponto de convergência da trama.
Morrison toca profunda e agressivamente nesse lugar indizível, que é o lugar dos pretos, na periferia dos pobres de um lugarzinho em Ohio, EUA, e vai desfiando um novelo de lugares físicos e simbólicos como: a feiura,
Os capítulos se iniciam com as estações do ano. Mas não a chuva, o sol, a neve ou cores amareladas. Mas as de meias marrons e óleo de fígado de bacalhau para o outono; “de sobrancelhas que se arqueiam como os galhos negros de árvores sem folhas para um inverno que comprime a cabeça como uma faixa de frio e que derrete os olhos”. E da espera da primavera:
“Havia uma insinuação de primavera em seus olhos verdes amendoados, algo de verão em sua tez e uma rica plenitude de outono no seu jeito de andar... E a primavera significa somente uma mudança no estilo de surra. Surravam-nos de modo diferente na primavera... pensava em formigas e caroços de pêssegos , na morte e para onde ia o mundo quando eu fechava os olhos... basta que eu transpasse a firmeza de um morango para ver o verão – sua poeira e o céu baixo. Para mim, continua sendo a estação das tempestades.”
O livro é todo um poema duro. E a linguagem uma crueldade à parte. Lírica e perversa, que fala de uma realidade constrangedora de todos os tempos. Duas cenas me chamaram muita à atenção para a genialidade de Morrison e mais ainda para essa linguagem do seu contar. A cena em que Polly imagina o sexo com Cholly, o seu marido, um intruso, e tão diferente do sexo real brutal e covardemente: “Só consigo gozar depois de saber
E a cena de estupro de Pecola; uma obra prima das ambiguidades pelas quais perpassa as estranhezas da natureza humana, quando expostas aos limites dos não seres e não lugares: “A culpa e a impotência ascenderam num dueto bilioso. O que é que ele poderia fazer por ela – Dar-lhe o quê?... O que é que um negro exaurido podia dizer às costas arqueadas de sua filha de onze anos... O amor o enfureceria.”
Entre o lixo e os girassóis, fechei a última página com o meu coração em dor.