'O cargo de Gênio da Raça Brasileira ainda está vago', diz D. Pedro Dinis Quaderna no romance da Pedra do Reino, de Ariano.
O fato de jamais termos alcançado o Nobel – nem Suassuna – tem a ver com isso.
Bem,
Tolstoi, Joyce, Borges e Fernando Pessoa morreram sem recebê-lo, o que quer dizer muita coisa. Alguns autores apenas medianos, no entanto, foram premiados, o que nos diz mais ainda. Mas é claro que há uma lista de escritores notáveis que deram ao Nobel uma importância extraordinária. Cito – de memória - Camus, Faulkner, Hemingway, Bergson, Octavio Paz, Gabriel García Márquez, Saul Bellow, Neruda, Beckett, Steinbeck, Gide, Pirandello e Thomas Mann.
O fato de jamais termos alcançado o Nobel – nem Suassuna – tem a ver com isso.
Bem,
Tolstoi, Joyce, Borges e Fernando Pessoa morreram sem recebê-lo, o que quer dizer muita coisa. Alguns autores apenas medianos, no entanto, foram premiados, o que nos diz mais ainda. Mas é claro que há uma lista de escritores notáveis que deram ao Nobel uma importância extraordinária. Cito – de memória - Camus, Faulkner, Hemingway, Bergson, Octavio Paz, Gabriel García Márquez, Saul Bellow, Neruda, Beckett, Steinbeck, Gide, Pirandello e Thomas Mann.
Seria a língua portuguesa nosso grande entrave, que só Saramago superou?
Pode ser.
Lembro-me de Carpeaux dizendo que o grande escritor está sempre na convergência dos acontecimentos, e cita Virgílio, a quem César Augusto encomendara a Eneida. Certamente tendo feito a mesma leitura, Cony, numa entrevista que deu a Tolentino, pra revista Bravo, alguns anos atrás, disse que não tivemos nem temos, ainda, o autor que seria, para o Brasil, o que Dante foi para a Itália, Shakespeare para a Inglaterra, Goethe para a Alemanha.
- Mas nem Machado de Assis, nem Guimarães Rosa enchem as suas medidas?, espanta-se Tolentino.
- Não. Porque uma cultura periférica como a nossa dificilmente pode produzir tal escritor.
É uma razão de peso. Mas acho que há outra. Rodrigo Naves, em “A Forma Difícil”, falando sobre nossas artes plásticas, diz:
- Uma dificuldade de forma perpassa boa parte de nossa melhor arte contemporânea. A relutância em estruturar fortemente os trabalhos, e com isso entregá-los a uma convivência mais positiva e conflituada com o mundo, leva-a a um movimento íntimo e retraído, distante do caráter prospectivo de parcela considerável da arte moderna.
Em meu poema longo “Trigal com Corvos” digo que Aleijadinho deveria ter sido Miguelângelo, não o nosso Miguelângelo, Carlos Gomes deveria ter sido Verdi, não o nosso Verdi, Portinari deveria ter sido Picasso, não o nosso Picasso, etc, etc;
Rodrigo Naves fala em “timidez formal”. Claro, isso fica patente quando nos lembramos de que não temos nada que rivalize com o teto da Sistina, de Miguelângelo; a “Missa da Coroação" , de Mozart; o Pensador, de Rodin; “Guerra e Paz”, de Tolstoi; o “2001”, de Kubrick; “Folhas de Relva”, de Whitman; o “Hamlet”, de Shakespeare; o Eclesiastes, atribuído a Salomão; o “Cidadão Kane”, de Orson Welles; “A Evolução Criadora”, de Bergson; a “Ilíada”, de Homero; a “Eneida”, de Virgílio; a catedral da Sagrada Família, de Gaudí, e por aí vai. Mas reformulo a pergunta: por que essa timidez?
Bem,
precisaríamos de uma era como a de Augusto pra produzir um Virgílio, uma era elisabetana, para produzir um Shakespeare; precisaríamos do peso de uma cultura como a russa, para produzir um Tolstói e um Dostoiévsky, um Máximo Gorki e um Gógol, um Tchékov e um Turgueniev, sem falar em um Soljenitsin, em poetas como Pushkin, Maiakósvsy e Boris Pasternak, compositores como Tchaikovsky, Mussórgsky, Shostakovich, Prokofiev e Rachmaninoff, além de cineastas como Vertov, Eisenstein e Tarkóvsky, porque ninguém é, mesmo, uma ilha. É famosa a frase de Isaac Newton: “Se vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes”. “Ombros em que subir!”, reclamo no “Trigal com Corvos”. Claro.
De que mais precisaríamos? De uma História que não fosse – como tem sido até agora - tão periférica, a ponto de sepultar – em termos universais – uma obra-prima isolada como “Os Sertões” do Euclides da Cunha, tornando esse vasto épico (absolutamente insular) muito menor – em termos de repercussão internacional – do que as aventuras extraconjugais de duas burguesas ociosas como Ana Kariênina e Madame Bovary.
Convergência dos acontecimentos. De fato, estar na periferia é tão contundente para a arte, que Paris se encheu de artistas estrangeiros na época em que foi centro cultural do mundo. Para lá migraram os holandeses Van Gogh e Mondrian, os espanhóis Picasso, Dali, Lorca e Buñuel, os americanos Hemingway, Gertrude Stein e Henry Miller, os russos Kandinsky , Nijinski, Diaghilev e Chagall e muita gente mais. Se bastasse ir para lá, porém, Portinari, Cícero Dias, Di Cavalcanti e Ismael Neri seriam, hoje, nomes globalizados. Infelizmente, no entanto, Cícero Dias voltou da França com uma como que franquia de Chagall e os três outros com a de Picasso, impressionando a crítica e o mercado tupiniquins, mas não, obviamente, os europeus. O que, então, teria consagrado a tríade de muralistas mexicanos Orozco, Siqueiros e Rivera? A resposta é claríssima: seu gênio e seu principal tema: a Revolução Mexicana, anterior à Russa e tão marcante que gerou um fortíssimo livro-reportagem de John Reed – “México Rebelde” – que colocou o país no centro das atenções mundiais, ainda mais que ambos - insurgência e obra – foram como que pontos de partida para o levante de Lênin e um livro ainda mais poderoso do jornalista americano para contá-lo – “Os Dez Dias que Abalaram o Mundo”.
Bem, mas aí está o renome do colombiano Gabriel García Márquez, dos argentinos Cortázar, Borges e Manuel Puig, do chileno Pablo Neruda, do peruano Vargas Llosa, do venezuelano Rómulo Gallegos, do paraguaio Augusto Roa Bastos, do nicaraguense Rubén Dario. Temos grandes autores, sim: Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Affonso Romano de Sant´Anna, Ariano Suassuna, mas o peso da língua espanhola é imensamente maior que o da portuguesa, por carregar em sua trajetória personalidades como Cervantes, Lorca, Miguel de Unamuno, Calderón de La Barca, San Juan de la Cruz, Francisco de Quevedo, José Zorrilla, Juan Ramón Gimenez, Dámaso Alonso, Fernando Arrabal, Benito Pérez Galdós e Tirso de Molina, sem falar, evidentemente, da simbiose fantástica de que os espanhóis sempre se beneficiaram, com expoentes da pintura como Goya, Zurbarán, Velázquez, Ribera, Picasso, Dali, Miró e Juan Gris, cineastas como Buñuel, Carlos Saura e Pedro Almodóvar, todos devidamente reconhecidos pela intelligentsia de toda a Terra.
Anos atrás fiz contato com o escritório da agente literária Carmen Balcels, pensando – imagine! - na possibilidade de uma carreira internacional para meus romances, e ouvi, de quem me atendeu, que apenas três assuntos nossos interessavam aos gringos naquele momento: Amazônia, Bahia e menores abandonados cariocas, “daí, por exemplo, o espaço aberto para ‘Galvez, o Imperador do Acre’, do Márcio de Souza.” Já o mesmo Affonso Romano me disse que um editor alemão leu, anos atrás, seu belo “A grande fala”, “...mas queria publicar poemas camponeses brasileiros...”, o que me lembra Silvino Espínola trazendo-me de Paris um livro de segundo grau, em que era destaque a “Cantata pra Alagamar” – que fiz com o maestro Kaplan – “obra de camponeses anônimos do Nordeste brasileiro”, segundo os imbecis…
E o fenômeno Paulo Coelho? Bem, eu não estou falando de magia.