Este meu pequeno quadro em acrílica sobre tela (27 X 35 cm), de vinte anos atrás, eu o devo à leitura das versões do Evangelho descartadas (consideradas não-canônicas) pela Igreja, quando, no Concílio de Trento, século XVI, decidiu - como dogma de fé - preservar apenas os textos atribuídos a Mateus, Marcos, Lucas e João, tudo segundo o proposto por Irineu de Lyon no século II. Li todos os “evangelhos apócrifos” (do grego ἀπόκρυφα - "coisas escondidas"), quando pesquisava pra escrever meu romance “A Verdadeira Estória de Jesus” (ed. Ática, 1979). Na criação dessa pintura, me servi do que há sobre o nascimento de Cristo no “Proto-Evangelho de Thiago”, e - sobre a morte - , no “Evangelho de Pedro.”
No evangelho da infância, de Thiago:
“José respondeu:
- Vem e verás.
Então a parteira se pôs a caminho com ele. Ao chegar à gruta, pararam, e eis que esta estava sombreada por uma nuvem luminosa. Exclamou a parteira:
- Minha alma foi engrandecida, porque meus olhos viram coisas incríveis, pois que nasceu a salvação para Israel.
De repente, a nuvem começou a sair da gruta e dentro brilhou uma luz tão grande que seus olhos não podiam resistir. Esta, por um momento, começou a diminuir tanto que deu para ver o menino que estava tomando o peito da mãe, Maria. A parteira então deu um grito, dizendo: - Grande é para mim o dia de hoje, já que pude ver com meus próprios olhos um novo milagre.”
Agora, no Evangelho de Pedro, a morte de Cristo:
“Muitos andavam por ali servindo-se de lanternas, já que pensavam que fosse noite, e
caiam por terra. O Senhor elevou sua voz dizendo: "Força minha, força minha, tu me
abandonaste". Dizendo isso, volatilizou-se e subiu ao céu. Naquele mesmo momento, o véu
do templo de Jerusalém rasgou-se em duas partes.”
caiam por terra. O Senhor elevou sua voz dizendo: "Força minha, força minha, tu me
abandonaste". Dizendo isso, volatilizou-se e subiu ao céu. Naquele mesmo momento, o véu
do templo de Jerusalém rasgou-se em duas partes.”
Jesus, portanto, não teria gritado na cruz “Deus meu, Deus meu!”, mas “Força Minha, força minha: tu me abandonaste!”
No nascimento, condensação da Luz do Mundo. Na morte, diluição. A energia - como diz a Física - matéria ultra-diluída; matéria: energia ultra-condensada.
OK.
Daí a Virgem - na minha versão - às voltas com o pátio consagrado pelas “Anunciações” de Fra Angélico (fiz isso para que a cena fosse reconhecível) , tendo, em lugar do arcanjo pra lhe dar a Boa Nova, um outdoor com Einstein dizendo justamente que está diante da energia “igual à massa, vezes a velocidade ao quadrado”.
Bem,
durante toda a minha vida, lances marcantes transitaram de uma para outras das artes. “A Canga” foi um conto que adaptei para o teatro (montei a peça em Pombal, 1969), depois do que a expandi para roteiro de um longa-metragem que não aconteceu, pelo que o transformei num romance - publicado pela Moderna, de São Paulo, e pela Mercado Aberto, de Porto Alegre -, narrativa que teve a parte central (a que era o conto) transformada em curta-metragem para direção de Marcus Vilar, e volta agora a gerar novo roteiro de longa, a pedido do mesmo cineasta. A peça “Paixão Judaica” - solicitada e rejeitada por Chico César quando secretário de cultura do município - transformei-a num quadro que pertence ao jornalista Sílvio Osias. “A Batalha de Oliveiros contra o Gigante Ferrabrás” - peça que adaptei do cordel de Leandro Gomes de Barros e foi montada em Brasília por Ricardo Torres - acabou sendo encenada também por mim, saltando da Idade Média para a science-fiction de “a bÁtalha de OL contra o gÍgante FERR”. Minha experiência como ator no “Auto de Deus”, de Everaldo Vasconcelos - interpretando Pilatos em praça pública, desencadeou o drama de meu protagonista padre, no romance “Relato de Prócula”.
Daí que,
ao começar meu “quinto tratado poético-filosófico”, ⅙ DE LARANJAS MECÂNICAS, BANANAS DE DINAMITE, a ideia da matéria como energia ultra-condensada, energia sendo matéria ultra-diluída, abriu espaço para o lance maior - graças à influência dos pensadores gregos - dos primeiros versos
“onde,
no evangelho de João,
se lê que No Princípio era o Logos - ... a Inteligência,
a Razão - que ...era Deus
na
Criação
e toda mulher ...somaria
... o que tem de ave
e Maria,
pois cada filho
seu
viria
dessa ... dimensão
à encarnação.”