Quem me contou foi Otinaldo Lourenço, uma espécie de museu do rádio paraibano, falecido em fevereiro passado, vítima de complicações prov...

Hablas castellano?!

cronica nostalgia bolero embromation
Quem me contou foi Otinaldo Lourenço, uma espécie de museu do rádio paraibano, falecido em fevereiro passado, vítima de complicações provocadas pela Covid-19: O velho Venâncio era um homem enorme e sua ignorância tinha o tamanho do corpo dele, gigantesca. Morava na João Machado, rua de grã-finos, em frente à Cândida Vargas. Era um ex-motorista que se tornou dono da linha de marinetes do Comércio, aqui em João Pessoa.

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Tinha duas filhas belíssimas, aquelas de fechar quarteirão, e mais três filhos homens. O mais velho, João, era um cara cheio de banca, com pinta de novo-rico, mas estava mais para Alberto Roberto, aquele ator canastrão, personagem de Chico Anysio. Tinha até o bigodinho fino, sem, no entanto, exagerar com a touca, coisa que o machismo em voga não aceitaria.

João, que logo recebeu o nome artístico de Juanito, não queria nada com manivelas e ferramentas, tinha pavor à graxa, óleo, essas coisas próprias do ofício do pai. Pior: Não queria saber da escola. Nem começou o primário. O negócio dele era cantar boleros, sempre em castellano, a moda da época. Só que fazia tudo na base do papagaio: Comprava o disco, passava dias e dias procurando imitar o cantor, e saía por aí arrasando corações.

Sucesso nas serenatas, Juanito Venâncio foi marcar presença no programa de Paschoal Carrilho, na Rádio Tabajara. Auditório lotado, Juanito seria a grande atração local. Paschoal, precursor de Chacrinha, era muito amigo do pai do cantor, e,
Paschoal Carrilho
no fundo, duvidava que o rapaz pudesse cantar no idioma de Cervantes. Escondendo as dúvidas, Paschoal enche os pulmões:

— Com vocês, Juanito Venâncio, o Gregorio Barrios da Paraíba!!!

O calouro entra meio esnobe e já encara uma pergunta de Carrilho:

— Juanito!!! Hablas castellano???!!!

E Juanito, esbanjando auto-suficiência:

— Tanto “ablo” como fecho, “Seu” Paschoal...

Paschoal levou um susto, mas não perdeu a esportiva:

— Então seja o que Deus quiser, meu filho... Perfídia, maestro Nôzinho!!!

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