Haverá ou não Carnaval? Alguns governos estaduais e municipais já decretaram que não, mas ainda não há uma resposta definitiva para essa pergunta. Por via das dúvidas, vou deixar no fundo do baú a fantasia que comprei há algumas décadas e pretendia estrear na próxima festa de Momo. Ela está empoeirada (um pouco mais do que o dono) e precisa de uma lavagem que lhe remova o bolor.
Nunca fui o que se chama de folião. Não vou a clubes nem participo de blocos. Tampouco desapareço de casa no sábado para só reaparecer na manhã da quarta, ressacado e com marcas suspeitas na roupa. Confesso que essa inapetência para a euforia momesca me traz algum sentimento de culpa (se não é a culpa que a produz). Para aplacar o remorso, mantenho a fantasia no baú com a esperança de um dia vesti-la e sair por aí. Para fazer o quê, ainda não sei, mas não seria algo que se pudesse publicar neste espaço.
Tudo indica que não haverá mesmo Carnaval, e bem que precisávamos dele. Reclusos há cerca de dois anos, ansiamos por invadir as ruas com ânimo brincalhão. Seria um meio de descarregar a neura acumulada e preservar a saúde mental. Oprimida pelo constante receio de contrair os vírus (agora há mais de um nos ameaçando), nossa mente necessita se retemperar com os influxos da festa. É nela que o povo projeta suas fantasias de grandeza e provisória redenção. Sem esse hiato de sonho, não lhe seria possível suportar a dureza de um cotidiano marcado por ameaças e privações.
O País anda sujo e feio, e quem o vem poluindo é o pior dos lixos – o lixo humano. As ruas estão cheias dele. São pessoas que, não tendo mais onde morar, amontoam-se nas calçadas e nelas passam a viver. Não se trata de um ou outro indivíduo que ali aporta para curar a bebedeira e desaparecer no dia seguinte. Trata-se de famílias inteiras, pais e mães acompanhados de seus filhos.
Ouvi de alguém que a exibição da filharada era uma estratégia para comover as pessoas em seus automóveis e fazê-las baixar os vidros. Mesmo sendo verdade, não se pode aceitar que os pais que se prestam a esse papel disponham do mínimo essencial para sobreviver. O País empobreceu mesmo, e não se precisa de estatísticas para comprovar isso. A miséria salta aos olhos e espeta o coração das pessoas sensíveis.
O Carnaval não resolveria esse e outros problemas, mas permitiria que por um momento nos alheássemos da incômoda realidade. É melhor se deparar nas calçadas com “blocos de sujos” do que se confrontar diuturnamente com a sujeira que as vem impregnando.