A poda foi criminosa por dois motivos: a violência do fato em si e a grave consequência. O ninho que abrigava o filhote de bem-te-vi veio ao chão com galhas e lágrimas da cajazeira depenada. Uma pena...
Eis que sai do morno aconchego uma coisinha de asa e cauda, com mancha amarela no papo, assustada, olhinhos brilhando sem entender nada. Os pais aflitos piavam de um lado pro outro numa algazarra sonora, em sinais de alerta e protesto. E agora?
Os passarinhos filhotes dependem visceralmente dos pais, que os protegem, alimentam e não os largam enquanto não adquirem vida própria. Nisso até que se parecem com os humanos de bom senso, que dividem justa e igualmente as responsabilidades sobre os rebentos.
Preocupações e deveres compartilhados, mãos à obra! Logo, logo, “dona bem-te-vi” trazia uma minhoca de bico a bico para o “Silvinho”. De longe, o pai sondava os perigos da área e constatava, aflito, a vulnerabilidade da situação. Era um problema.
Felizmente há no mundo quem sublime bichos e plantas como a si e aos seus. E o grau de evolução da humanidade se mede pelo respeito à Natureza. Enquanto alguém se julgar superior a qualquer ser que tem vida, continuará longe de entender o valor da existência e da Criação Divina.
Meu amigo companheiro que nutre um amor admirável pelos seres inocentes e indefesos deste planeta logo achou um galho seguro para o “Silvinho”. Pronto, pelo menos lá no pé de cereja-da-praia ele podia ver e ser alvo de proteção dos pais, que não paravam de trocar sonoramente suas ideias e cuidados a respeito da afligente condição do bem-te-vinho.
Com o crepúsculo veio a preocupação. A demora das estrelas prenunciava chuva, e à noite todos os gatos, além de pardos, podem estar famintos. E, pouco mais, Silvinho estava muito bem acomodado numa caixa de papelão no quarto de depósito. Podia dormir tranquilo. E tranquilos também pareciam ter ficado os seus pais, decerto abrigados nalgum galho ali por perto.
O fato foi a primeira lembrança ao acordarmos, manhã cedo. Pulamos da cama direto para vê-lo. Pela brecha, avistavam-se os olhinhos bem abertos, cheio de vida, que me tiraram o sono. Enfim, era uma nova jornada.
Assim foram as manhãs seguintes. Silvinho pra dentro, Silvinho pra fora, “cuidado com o gato”, “olha a chuva”, “traz ele pra caixa”, "vê se ele comeu". Puxa!... tá todo molhado, vamos colocar uma lâmpada para aquecê-lo”. E o danadinho já fazia parte do nosso cotidiano.
Certa manhã, de volta após comer várias minhocas trazidas pelo bico de “dona bem-te-vi”, Silvinho parecia ter ganhado mais força e começou a ensaiar vôos de adulto, alçando galhos cada vez mais altos. Já era difícil enxergá-lo no topo da cajazeira, sempre acompanhado de perto pelo “Sr. Bem-te-vi”.
Mais um crepúsculo e menos uma preocupação. Entretanto, na hora de buscá-lo, quem achou? Nada, nem na sombra do último galho. Juntamos os quatro olhos catando-o por entre as estrelas que já surgiam, e não mais o vimos.
Com os olhos no céu, sem entender direito o que havia acontecido, meu amigo dizia: “Calma, ele agora é do mundo!... Bem-te-vimos.