São instantes nem sempre tão fugidios quanto possam parecer. - Tudo bem, seu Luiz?! Vou indo por algum desígnio oculto, talvez pela s...

Carminha

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São instantes nem sempre tão fugidios quanto possam parecer.

- Tudo bem, seu Luiz?!

Vou indo por algum desígnio oculto, talvez pela sombra mesma que começa a se estender meando a calçada, quando ouço, bem em cima de mim, o “seu Luiz” de trato familiar. Era por Luiz, e não havia de ser de outro modo que vinham os chamados de minha mãe. Luiz é o que ouço de dona Edith há sessenta e um anos, desde que a ela me apresentei, correndo atrás, entrando na marinete onde a mocinha entrou, descendo na esquina onde desceu, e mal entra em casa ouve-me as palmas e o nome entrando afoitos pela janela da rua São Sebastião, na Torre.

E emparelha comigo, agora, esse rapaz moreno, de máscara, com um “seu Luiz” que parecia vir de meus próprios domínios.

Notou que eu não o reconhecia, baixou a máscara e apresentou-se: “Sou André, de Carminha”. Aí veio e rolou um novelo grande por cima de mim.

Carminha de muitos filhos e filhas e de nenhum pai. Carminha na nossa cozinha, na lavagem de roupa, nas conversas, ganhando avulso, uma vez que a irmã é que era a empregada efetiva, digamos assim.

Guardava os seus segredos para manter aquela filharada toda e conseguir levantar do nada, de uma beira de rio molhada, na linha do trem, um pequeno caixão de casa de tijolo e telha, filhos e irmãos no mutirão até fechar a cumeeira. Isso na Presidente Rodrigues Alves de Mandacaru. Um nome mui distinto para a modernização do Rio de Janeiro, mas irrelevante para as homenagens da nossa cidade. Salvo por Carminha.

Na troca da nossa casa (com planta de Mário Di Láscio) pela morada no apartamento, escasseou a constância de nossa amiga. Como perdemos o convívio com minha prima de Bayeux, também Carminha, que não sobe de elevador.

A Carminha de Mandacaru passou a só aparecer para se queixar, coitada, o coração cansado, certas comidas proibidas, ela fazendo pouco da proibição: “Nem precisava proibir, não é não, seu Luiz?! A carestia já faz isso”

Descascava batata, prosando na cozinha, quando ouviu o grito do meu neto de 5 anos, correndo do bate-bola comigo para gritar por socorro: “Carmin, Carmin, vovô est tombé”. Eu me debatendo no chão, chutando o ar, e Carminha sem entender, salvo pela aflição no olhar do filho de Belinha, o normandinho.

Como o tempo corre, inda mais quando envelhecemos!

No ano passado, antes da pandemia, nossa amiga teve um AVC. Mas já havia deixado a Rodrigues Alves de |Mandacaru, “um tiroteio, seu Luiz, ninguém dorme com a guerra”. Estava na casa de uma filha para os lados de Tibiri.

- E como vai ela, agora, André?

E André, que é pastor: - Vai bem, seu Luiz. Está mais em cima, foi chamada.

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