I
Influências
Influências
Quando eu era menino meu saudoso e querido pai Francisco Espínola comprou um disco LP chamado España Cañi. O LP tinha na capa um esboço do mapa da Espanha, nas cores vermelha e amarela, com o desenho de um touro negro. Era todo composto por músicas clássicas da guitarra espanhola: Andalucia; La Leyenda Del Beso (Reveriano Sotullo e Juan Vert); Granada (Agustin Lara); Malagueña; España Cañi pasodoble, todas executadas por orquestras sinfônicas. Esse disco me impressionou bastante, fazendo-me, tenra idade, começar a sonhar em conhecer um dia aquele país tão rico de fantasias.
Lá em casa havia um livro de papai, Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, o que me permitiu muito cedo rir e me enternecer com a história desse velho sonhador.
Touradas me fazem lembrar principalmente a Espanha, mas também o México. Quando menino assisti na matinal de domingo do Cine Plaza à animação Ferdinando, uma história de touradas muito diferente, com final feliz para o touro. Gostei muito; a partir daí passei a torcer pelos touros nas touradas. Depois de adulto tomei consciência ecológica e passei a abominar as touradas, como todo e qualquer maltrato contra animais.
Em fevereiro de 1960 a nossa família foi convidada para comemorar o aniversário do renomado pintor Flávio Tavares, menino como eu, na praia de Tambaú. Além da deliciosa peixada oferecida por dona Otaviana, tivemos um espetáculo de castanholas, com Dr. Arnaldo Tavares tocando e dançando músicas espanholas, portando um enorme sombrero!
Neste mesmo ano assisti no Cine Rex ao filme Arena Sangrenta (1956), dirigido por Irwing Rapper. Conta a história de ternura da amizade de um menino mexicano por seu touro chamado Gitano. Seu amigo de infância, o menino luta para que o touro seja poupado de morrer na tourada, recorrendo até ao presidente do México. Filme lindo e comovente.
O roteiro do americano Dalton Trumbo foi agraciado com o Oscar, porém ele não foi receber, pois não pode assinar seu nome. Na ocasião Trumbo constava da lista negra do maccartismo, sendo perseguido por suas idéias políticas. Isso o impediu de trabalhar, ficando longo tempo sem emprego. Para não passar fome com a sua família decidiu escrever os roteiros e assiná-los com pseudônimos. Recomendo a todos assistirem ao filme Trumbo.
No meu aniversário de 14 anos recebi o livro Por Quem os Sinos Dobram, de Ernest Hemmingway (1940), que me fora presenteado pelo amigo e colega Idalvo Cavalcanti Toscano. Excelente romance, conta uma história da Guerra Civil espanhola, vencida pelos fascistas do general Francisco Franco, que promoveram um banho de sangue na Espanha ao longo das décadas seguintes.
Poucos anos depois assisti no Cine Brasil ao filme homônimo, de 1943, dirigido por Sam Wood e estrelado por estrelas de grande constelação hollywoodiana, Gary Cooper e Ingrid Bergman.
Mais tarde, já um rapazinho passando as férias em Misericórdia, ouvi o primo Jesus Fonseca cantar e tocar com maestria no seu violão a música Malagueña: ¡Que bonitos ojos tienes...! Belíssima! Malagueña Salerosa (Elpidio Ramirez e Pedro Galindo Galarza), embora seja uma música de autores mexicanos, refere-se à cidade de Málaga, na Andaluzia, sul da Espanha.
No final dos anos 1980 o meu irmão Paulo Fernando me presenteou com o LP Capa Azul (1968), da banda carioca The Pops, contendo as músicas La Leyenda Del Beso e Andalucia, num arranjo belíssimo, arrebatador.
Em 1988 o saudoso amigo Roberto Lira gravou para mim uma fita de vídeo com uma apresentação do violonista de flamenco, o andaluz Paco de Lucia. Fiquei impressionado com a sua música, e os bailados por ela inspirados. Nesse mesmo ano eu havia lido um exemplar da Revista National Geographic dedicado à cidade de Barcelona, capital da Catalunha, e me apaixonei pela cidade.
Como vocês acompanharam, ao longo de minha vida recebi muita influência sobre a hispânica, o que me levou a desenvolver um fascínio por aquele país mágico. Não desenvolvi uma cultura hispânica, diferente do escritor e engenheiro sanitarista Sérgio Rolim, que é um autêntico hispano-brasileiro. Mas é o que eu disse: tenho um verdadeiro fascínio pela Espanha.
Muitos anos mais tarde eu descobri que a mãe do meu avô Josué Pedrosa era uma espanhola chamada Sancha de Aragão, rábula cuja família havia emigrado para a cidade de Viçosa, em Alagoas. Pura coincidência, claro.
Pelo exposto, não me foi difícil aceitar o convite que me chegou às mãos, e daí partirmos para a nossa primeira viagem à Europa.
II
O Convite
O Convite
Numa tarde na última semana de novembro de 1989 recebi no consultório um elegante envelope muito interessante. Deixei para abri-lo ao final do expediente.
Tratava-se de um elegante convite para participar de um simpósio de cardiologia pediátrica em Barcelona, com todas as despesas terrestres pagas, numa iniciativa da administração da Catalunha.
Esperando que Ilma terminasse o seu consultório, fiquei sonhando. Não acreditava naquilo. Será que chegou a grande oportunidade de conhecer o continente europeu? E começar logo pela Espanha?
Não agüentei esperar: pelo interfone perguntei a Ilma: “Quer conhecer Barcelona?”
— “Quando você quiser!”
Essa é a mulher decidida com quem eu tive a sorte de casar. Sempre apoiou e, principalmente, participou das minhas aventuras, desde os tempos de namoro, 49 anos atrás.
Como não dou passada mais larga do que as minhas pernas podem, mais tarde chamei a atenção para o aspecto financeiro. Ponderei a minha preocupação pelo futuro do Brasil, com a eleição de Fernando Collor para presidente. Ilma me convenceu com as palavras de uma pitonisa:
— “Zé Mário, esse sujeito é doido, e é capaz de atacar as nossas poupanças. Não se preocupe com dinheiro: além de nossas economias temos o meu carro”
Falou e disse: vendeu o seu velho Fiat 147, e com o apurado comprou 1.500 dólares no segundo andar do Banco do Brasil, único lugar onde se podia realizar operações de câmbio seguras, à época. Já garantia mais de dez dias sem passarmos fome na Europa.
No final das contas, com a colaboração dos nossos pais, juntando 13º, férias e tudo o que pudemos raspar, concretizamos um velho sonho. Partimos num vôo da Ibéria.
Passamos uma semana em Barcelona, como relatei em crônica de viagem em 2 de abril deste ano, neste mesmo Ambiente de Leitura (Avant-premiére na Europa 1). Depois passamos 3 semanas na França (Avant-premiére na Europa 2, publicada em 9 de abril passado). Na última etapa fomos conhecer Madri, onde passamos cinco dias.
III
Madri
Madri
Em Madri nós nos hospedamos num hostal da Gran Via. Reunia localização primorosa a conforto suficiente para dormirmos à noite, e deixarmos as nossas roupas de dia.
No primeiro dia saímos zanzando a pés pela cidade, respirando cultura, história e tradição.
Logo pela manhã, a caminho Museu do Prado, conhecemos a Plaza de Cibeles. Ao centro, a deusa sentada sobre um antigo carro, puxado por dois magníficos leões. Em torno da praça, destaque para o prédio do Correio Nacional, admirável arquitetura do século XIX. Magnífica edificação! E o Palácio de Cibeles, onde funciona o Banco de Espanha
Lá perto fomos conhecer a magnífica Porta de Alcallá. Situada na Praça Independência, a arquitetura da Porta, com seus cinco arcos, é classificada como sendo de estilo neoclássico, como também é considerada a Fonte Cibeles.
Depois seguimos para o sul, ao longo do bucólico Passeio do Prado, um parque-alameda onde fica o museu. No centro dessa alameda, à altura do Museu do Prado, encontramos a Fonte de Netuno, uma bela fonte circular com a estátua de Netuno em seu centro, sobre um carro em forma de concha puxado por dois cavalos marinhos.
O Museu do Prado está numa edificação mais simples de que eu esperava, que não revela a importância daquela pinacoteca de renome internacional. Mas a beleza está em seu interior: as coleções de artistas clássicos espanhóis. São milhares! Procurarei falar dos destaques de cada autor, que mais me impressionaram.
As galerias contêm as coleções dos artistas famosos. E outros menos conhecidos. Na galeria de Velásquez encontra-se o quadro As Meninas, com o artista participando da cena. José de Ribera comparece com seus diversos santos e santas.
Na galeria dedicada a El Greco, um dos quadros que mais chamaram a nossa atenção foi A Santíssima Trindade, de 1579. Na galeria dedicada ao pintor Francisco de Goya encontra-se, entre outras obras memoráveis, o célebre quadro La Maja Desnuda, datado entre 1790 e 1800. Depois este quadro passou a fazer par com uma tela idêntica, La Maja Vestida, de 1805, na qual a mesma mulher, na mesma pose num sumiê, aparece totalmente vestida.
O Museu do Prado também abriga obras de pintores não espanhóis, como Hyeronimus Bosch, Pieter Bruegel, Rafael, Rubens, Rembrandt e Tintoretto.
Desinformado à época, eu pensava que iríamos encontrar o quadro Guernica na galeria dedicada a Picasso do Museu do Prado. Mas, na realidade ele está no Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofia, também em Madri.
Depois do Museu do Prado nós tentamos visitar o belo e suntuoso Palácio Real, porém ele estava fechado quando lá fomos. Aproveitamos, então, para compra de véspera os bilhetes para Toledo, numa agencia de turismo que fica na Plaza Oriente, por trás do Teatro Real e em frente ao Palácio Real. Juntaram-se a nós, Karlisson Valeriano e Socorro, de Arapiraca. E Sergio Luz e Tereza, todos companheiros de bons momentos ngo exterior.
IV
Toledo
Toledo
A cidade de Toledo é um passeio imperdível, para quem visita a Espanha. Fundada pelos romanos há dois mil anos, numa ferradura feita pelo rio Tajo (que se torna Tejo quando penetra em Portugal), a cidade tem todo o casario conservado, e na arquitetura exibe sinais do domínio de três culturas que a ocuparam depois que o Império Romano se desfez: moura, cristã e judia.
No princípio do século XVI Toledo era vista como cidade de "um passado ilustre, um próspero presente e um futuro incerto". Hoje é um dos lugares mais visitados do mundo.
O passeio em Toledo foi todo guiado pela señora Pepita, uma anciã lúcida, dotada de rica cultura e forte personalidade. Apesar de seus pés exibirem deformação reumática, ela nos conduziu com firmeza pelas ruas de Toledo, empunhando a sua elegante sombrinha.
O que ela nos mostrou foi o que havia de mais expressivo na cidade, para o curto período de apenas um dia.
Pelas lembranças que eu me tenho de mais de três décadas atrás, ela começou o passeio por um museu que funcionava na antiga casa de um Bispo que teve destaque na história de Toledo, e cujo nome eu não me lembro. Apenas que tinha sido uma figura muito importante no passado da cidade. Recordo-me que lá nesse museu o que mais nos impressionou foi a tela “Magdalena Ventura com seu marido e seu filho”, do pintor espanhol José de Ribera. Retrata uma mulher com barbas longas amamentando seu bebê, assistidos pelo seu marido.
Em minhas pesquisas recentes não mais conseguí identificar essa casa. Hoje o quadro A Mulher Barbuda, como é mais conhecido, pertence ao Museu da Fundação Lerma, no Hospital de Tavera, em Toledo.
Visitando a Catedral de Toledo, dentro da sacristia está o quadro do pintor El Greco, chamado de O Espólio, de 1579, no qual se vê a disputa pelas vestes de Jesus, pelos soldados romanos. O destaque é a posição dos dedos médio e anular da mão direita de Jesus, colados, que tornou-se uma marca registrada do artista.
Além dos vários museus e igrejas Pepita também nos levou para conhecer o Alcazar de Toledo, um forte monumental na parte mais elevada da cidade, e que foi palco da resistência heróica de um punhado de soldados adeptos do generalíssimo Francisco Franco, contra o cerco pelas tropas republicanas.
Mas a maior obra que vimos em Toledo, a que mais nos impressionou, foi o quadro O Enterro do Conde de Orgaz, na Igreja de São Tomé. Ele está acima da sepultura de Gonçalo Ruiz de Toledo, Conde de Orgaz, que governou a cidade no Século 14 e tornou-se conhecido pela sua bondade, por fazer muitas caridades e amparar a igreja.
Conta a história que em vida ele tinha sido um homem tão virtuoso que Santo Estevão (à esquerda) e Santo Agostinho (à direita) desceram para conduzirem-no pelas próprias mãos até à sepultura.
No quadro está representado à esquerda o pequeno filho do autor, Jorge Manuel, que aponta para o conde.
V
Epílogo
Epílogo
De volta a Madri, no dia seguinte visitamos a estação ferroviária de Atocha, próxima ao museu do Prado, e a Plaza de España, palco de toda a história da cidade.
Conhecemos, também, o Marco Zero da cidade, uma ampla praça em semicírculo, cercada por grande número de cafés e restaurantes onde podem ser apreciadas as mais deliciosas tapas da cidade. Ao centro dela encontra-se uma enorme estátua eqüestre, que é o monumento ao Rei Carlos III.
À noite nos despedimos da Espanha assistindo a um inesquecível espetáculo de tablado e dança flamenca, no Tablao Flamenco Torres Bermejas, na rua Mesonero Romanos, tributária da Gran Via, paralela à grande loja de departamentos El Corte Inglés Callao, encontrada na maioria das cidades espanholas.
¡Hasta La vuelta!