Num dia ensolarado, que poderia ser lembrado como marco do início de uma época abundante em benefício para a população, foi o começo de uma fase nublosa da História republicana, composta de tipos humanos de abomináveis atitudes, podendo-se resumir em falcatruas e dilapidação do bolso alheio pelos atos praticados, que acontece em escala crescente.
Machado de Assis fala desses tipos no romance “Esaú e Jacó”, e historiadores de variadas tendências, ao longo do século, registram que por ocasião daquele 15 de novembro o povo saiu às ruas do Rio de Janeiro sem saber o que estava acontecendo, acreditando ser mais uma manifestação pública de apreço ao regime que, em quase meio século de vigência, tinha um velhinho de barbas branca bem-amado e admirado, cortês no trato para com seus súditos, por isso desfrutando do respeito da nação. Um Imperador que amava as Artes e abria caminhos para os saberes.
Três décadas depois, na mesma data, Lima Barreto recordaria a movimentação na rua, ele um garoto que presenciou muitas coisas, igualmente sem entender o que acontecia, tão desinteressada se apresentava a população naquele dia. Anos depois se comoveu com a morte da Imperatriz brasileira banida da convivência com o povo, que deixou muita gente cabisbaixa.
Ambos os escritores, de incontestável volume de sentimento e conhecimentos da arte de escrever, nos deixaram o retrato do regime que golpeou a Monarquia, numa repetição cabocla da cena da traição no Senado romano, quando César foi apunhalado por Brutus. “Até tu, Deodoro”, poderia ter dito Dom Pedro II, mas este preferiu o silêncio para evitar derramamento de sangue.
Atribui-se a Machado de Assis um texto no qual o Imperador teria implorado que nunca permitisse implantar no Brasil o sistema republicano, porque seria “o nascimento da mais insolente aristocracia que o sol jamais iluminou”. Ele declarou respeito pela Monarquia, e escreveu: “O imperador tem as duas qualidades essenciais ao chefe de uma nação: é esclarecido e honesto. Ama o seu país e acha que ele merece todos os sacrifícios".
No romance “Esau e Jacó”, Machado trata da descrença de Custódio que, com a chegada da República, estando num impasse quanto a tabuleta de identificação de sua loja comercial, se mantinha ou não o nome de “Confeitaria do Império”. “Vai que daqui a dois meses, se houve uma reviravolta”, diz o personagem, porque o povão não levava a sério o que estava acontecendo.
Em novembro de 1921, trinta e dois anos depois da deportação do monarca, Lima Barreto ressaltou que a República estava soterrada no lamaçal que preparou. Depois de passear pelos arredores da cidade, diante do estarrecedor quadro social da capital federal à época, sorumbático, escreveu:
“São será, pensei de mim para mim, que a República é o regime da fachada, da ostentação, do falso brilho e do luxo parvenu (novo-rico), tendo como repoussoir (contrataste, contraposição) a miséria geral”.
Se o cronista carioca qualificou a República que presenciou nascer como desprezível, grande seria sua angústia vendo os destroços dos tempos que se sucederam até o momento atual, mesmo com a suposta quebra das oligarquias em 1930. Se os poderosos perderam a ostentação de barão, ganharam outra rotulação, mas continuaram manipulando golpes, fabricam e escancaram falcatruas cada vez mais estrondosas, e rapam o cofre público... Essa é a República que nasceu contaminada, submissa aos mandões donos das terras e de almas humanas, submissa a estrangeiros, e que continua a espalhar migalhas.
Continuo com a menção de Machado de que a República para uma tabuleta apodrecida suspensa na parede, balançando-se ao vento, que pode despencar no instante em que encontrar um novo Spartacus ou Gandhi.