Não lembro mais quem disse que se você alimentar seu cérebro exclusivamente com séries de TV bobinhas, tipo "Two and a half men", não espere que ele entenda Platão. Se os Titãs já tinham alertado que a televisão "me deixou burro demais", o que dizer agora que a avalanche de vídeos do Tik Tok e de fotos de bobagens no Instagram parece ter dominado as mentes?
Cada vez lemos menos, embora muita gente compre livros. Cada vez mais acelerados, sem tempo de reflexão, de apreciar as coisas devagar, de observar o ser humano em sua riqueza e multiplicidade, de analisar a si mesmo.
Tenho lutado contra esse turbilhão de informações que nos engolfa. Dedico cada vez menos horas às redes sociais e mais tempo lendo e pensando, apreciando a natureza e a humanidade em seus ruídos e silêncios.
Estas observações me ocorrem agora, quando registro comentários de gente adulta, madura, que não consegue assistir a um filme como "The Power of the Dog" sem reclamar que é lento. Pior, em politizar a obra, tratando como "mero modismo dos dias de hoje" um tema autobiográfico grafado num livro sofisticado, escrito há mais de 50 anos.
Aconteceu de novo hoje. O videoclipe de "My Sweet Lord" acaba de ser lançado e já há uma turba estraçalhando a proposta justamente porque, como diz um dos personagens do clipe, olhou e nada viu: deteve-se no superficial, embora o filme convide a focar no essencial. A ignorância é ruidosa.
Há muita coisa a ver e pensar no clipe da música de George Harrison. Há detalhes semi-ocultos a descobrir, desde que a mente não esteja dominada pela obviedade e pelo ritmo do tik tok.
Não duvido que logo surgirá por aí um manual para entender o videoclipe, assim como há páginas dedicadas a explicar o fim do filme "Ataque dos Cães".
Não acho que devemos nos alienar das novidades tecnológicas e culturais. Ao contrário, creio firmemente que equilíbrio é fundamental: abrir-se ao novo, ao pop, ao alternativo e às novas gerações é uma rica opção. Torna-se ainda melhor se aliada ao cultivo dos chamados clássicos, a um tempo de estar consigo próprio e no mundo fora do ambiente virtual.
Vigiar-se para não se tornar xiita de uma ou de outra proposta não me parece um mau caminho.