O 4 de novembro, afinal, está sendo levado em conta. Não como feriado vinculado à data herdada do registro histórico de assentamento da pedra inicial da cidade. Mas ao ser invocado como referência e motivação para a abertura do Museu da Cidade e anúncio da conversão do Palácio do governo em museu do Estado. Deste último falaremos depois.
A fundação da cidade, mesmo que resulte do trucidamento quase completo da nação autóctone, guarda um sentido mascarado na catequese, na doação das primeiras casas, na elevação dos templos, nas dunas materiais e espirituais sobrepostas secularmente à nossa formação.
Com a urbe entre o rio e o mar abre-se um porto a outros bens e saberes. Assim, o 4 de novembro tem mais a ver conosco, do humano ao cívico, do que o 5 de agosto. O 5 de agosto é o fim do morticínio em massa, o 4 de novembro é a abertura para o convívio, a armação da cama, a miscigenação; o branco luso, o neerlandês de olho azul, o normando, tudo isso com as iguarias do reino, vindo misturar-se com os viveres e saberes do nativo.
Quando governador, Ernani Sátyro foi ao Instituto Histórico e falou sobre a prevalência do pedreiro de 4 de novembro ao do Tavares que concertara a paz de agosto. Mas na hora de comemorar, prevaleceu o dia da Santa. E fica difícil deixar o manto azul da Senhora das Neves para engolir a poeira do ouvidor Leitão. Ou indo a detalhe, transferir nossas honras e devoções à colher de pedreiro do mestre Manuel Fernandes, “mestre das obras d’el rei”, responsável pelo assentamento da pedra de partida.
E ficou nisso: a data maior do Estado morre na passagem da primeira ponte, logo aqui em Bayeux. No dia 5, não preciso ir a Cajazeiras para jogar na loto, fechada à direita do Sanhauá e aberta nas demais 222 cidades. É data estadual restrita a João Pessoa, se bem que mais povoada de interioranos do que de pessoenses da gema.
Mas isso é de somenos. Importante é que se instala o museu que os governos vêm devendo secularmente à cidade, de costas para o mais precioso dos seus capitais, que é o histórico. E mais que histórico: o artístico, o dos seus altares a que se tem rendido o olhar universal de cultores como Mário de Andrade, Alceu Amoroso Lima e, de forma privilegiada a quem estuda o Barroco dos trópicos, o de Clarival do Prado Valadares, autor de “Nordeste Histórico e Monumental”.
Ao acurado e belo estudo de Glauce Burity, em dois belos volumes, veio juntar-se o de Clarival, editado pela Odebrecht do velho Norberto que, como justifica Dom Clemente, o prefaciador, “sua obra jamais aconteceria através de editoras comerciais que logo se retraem quando o autor fala de ilustrações”. É obra riquíssima, em 4 volumes, o segundo destacando a Paraíba, “que já tínhamos visitado em inúmeras ocasiões, dessa vez revelou-se, aos nossos olhos, na grandeza íntima que não se vê da periferia e nem depressa.”