Mais louco por João Pessoa do que o saudoso Walfredo Rodríguez, impossível. Pois foi da sua boca que ouvi, na farmácia de Seu Zezé, no Rodgers, a sentença de que a vida em João Pessoa dependeria muito do que se fizesse com o Rio Jaguaribe e toda aquela faixa de mangues, pântanos, salinas e restingas que vai de Bayeux (que babaquice mudar o nome de Barreiras para Bayeux!) até Cabedelo.
Velhos moradores do bairro que papeavam na gameleira da D. Vital diziam que o Jaguaribe não dobrava nos fundos do Manaíra Shopping. Seguia em frente, cortava o retão, a pista do Aeroclube, avançava pelo Bessa e ia desaguar no atual Intermares. Aquela região toda do Bessa e Intermares, na verdade, compunha o estuário do Rio Jaguaribe. Era uma imensa restinga, espécie de esponja natural entre o mar e o mangue, área que até hoje tem sido o pesadelo dos que ali residem.
Mas, a fim de facilitar as coisas para a estrada de Cabedelo, lá se foi o Jaguaribe desaguar nos Ipês, por trás da Fazenda Boi-Só. Alguém achou de entortar o rio para ligá-lo imediatamente ao mangue, talvez já pensando na especulação imobiliária que estouraria com a força de um vulcão em Manaíra, Bessa, Intermares, Poço, Camboinha, Ponta de Mato e vizinhanças.
Tinha toda razão o velho Rodríguez. Agredido nas nascentes, em todo o seu percurso e na foz, o Jaguaribe, dreno natural de João Pessoa, se não for alvo de atenção das autoridades, tende a ser cenário de tragédia em todos os invernos rigorosos aqui na Capital, tal como o Ribeirão Arrudas em Belo Horizonte. A cada inverno, a cada ano, surgem mais complicações no Rio Jaguaribe. O colapso total está mais perto do que longe. Nossa sorte é que ultimamente não temos tido invernos com muita chuva.
A situação não é diferente na Porta d´Água. Pegando aquela região da Ilha do Bispo, Varadouro, Porto do Capim, passando por Mandacaru, Boi-Só, até Tambaú, Bessa, Intermares, havia uma região que os moradores mais antigos chamavam de Porta d´Água. Para nós do Rodgers, ela ficava ali por trás da Bica. Quer nome mais belo do que Porta d´Água? Era o nosso Everglades.
Menino do Rodgers, bairro que mudou de nome porque muitos não sabiam escrever nem pronunciar "nome de gringo", vivia no próprio Éden. Meus pagos eram o sítio do Seminário que se unia à bica, cobrindo de encantos o aristocrático Tambiá. Sonhava no alto da gameleira, contemplando o Varadouro, o Sanhauá se encontrando com o Paraíba para irem juntos desembocar no Atlântico. Cabedelo, com seu porto e suas praias ainda meio selvagens.
Para quem não sabe, o Rodgers, além de ter sido o sítio de um inglês que entendeu de fixar morada por essas bandas, é talvez o bairro mais alto da cidade. O olho da Gameleira da D. Vital (que infelizmente desabou em maio de 2000) era um mirante tão encantador quanto a torre da TV Cabo Branco ou a cobertura do edifício Dezoito Andares.
Assim era o Rodgers: em cima, um pomar. Lá embaixo, o nosso Everglades, a Porta d´Água, onde fazíamos nossas expedições exploradoras para trazer caranguejo, mangaba, caju, araçá, guajiru, seriguela, com o que – extrema ironia! – abrimos picadas para as nefastas avenidas Tancredo Neves e Ayrton Senna.
Há algum tempo dei um giro demorado, a pé, pela Porta d´Água da minha infância. Horrível. Voltei desolado, como se tivesse ido ao cemitério numa tarde de domingo. Destruição total. A visão apocalíptica sugere que os americanos andaram soltando suas superbombas também sobre a Porta d´Água.
No que era paraíso, lama podre, lixo, fumaça, aterro, asfalto. As chamadas soluções técnicas desmoralizam a civilização. O fato é que estamos construindo, numa cadeia silenciosa de ações e omissões injustificáveis, um inferno para os nossos filhos e netos. Tudo em nome do progresso. Que progresso? – diria o velho inglês Richard Rodgers, marido de Dona Francisca Romana, dando de ombros para os seus descendentes tropicais.