Manoel Jaime (Xavier Filho) faz parte de uma confraria de médicos intelectuais que muito tem abrilhantado a cultura paraibana e brasileira ao longo de nossa história. Sem nenhum prejuízo para o competentíssimo exercício da gastroenterologia, sua especialidade, é notável seu interesse, sua dedicação e – por que não dizê-lo – seu amor pelas coisas da literatura, da história, da arte, enfim, da cultura como um todo. E não é de hoje. Sua trajetória profissional e humana está aí para provar esse “namoro” antigo com as manifestações culturais, já que seu “casamento” foi mesmo com a medicina, sem nenhum demérito para Iracema, sua querida e valorosa companheira de vida. A propósito, quem primeiro vi chamar a atenção para essa dualidade afetiva (medicina e cultura) foi o também médico e também intelectual Guilherme D’Ávila Lins,
numa já distante noite de reunião da Academia Paraibana de Filosofia, sob o comando do professor Jackson Carvalho.
Potiguar de Currais Novos, Manoel Jaime fez-se pessoense como poucos nativos o são. Seu amor pela Capital das Acácias é antigo, desde seus tempos de estudante de medicina em nossa UFPB, e só tem aumentado com o tempo, como prova a recente publicação de seu novo trabalho, intitulado Espaços, Vivências e Pessoas (Edições CRM-PB e Ideia, 2021), em que recupera a história dos antigos prédios da Faculdade de Medicina e dos mestres fundadores daquela importante instituição, hoje integrada à estrutura de nossa universidade federal. Este livro, pequeno e grande ao mesmo tempo, com suas cento e dez páginas de amoroso memorialismo, cujo autor formou-se em 1971, narra o esforço e o idealismo daqueles que criaram nosso primeiro curso médico nos idos de 1950, tendo à frente Humberto Nóbrega e Lauro dos Guimarães Wanderley.
Tudo começa no antigo prédio situado ao lado do Cemitério Senhor da Boa Sentença, no Varadouro, hoje em ruínas, depois a transferência para as instalações na Rua Alberto de Brito, em Jaguaribe, em seguida para o Hospital Santa Isabel, passando pelo Ambulatório Desembargador Novais, pelo Laboratório de Análises Clínicas, pelo Pavilhão Guedes Pereira, pelo Ambulatório de Clínicas, também no complexo da Rua Alberto de Brito, onde também se inseriu o Instituto de Puericultura e Pediatria, sob a batuta do professor João Medeiros, indo até a Colônia Juliano Moreira, a Maternidade Cândida Vargas e o Hospital de Pronto Socorro, este na Av. Visconde de Pelotas e também já demolido. Tudo isso até o curso médico passar inteiramente para o campus da UFPB, com a inauguração do Hospital Universitário “Lauro Wanderley”, em fevereiro de 1980. Em cada um desses lugares, Manoel Jaime vai contando a respectiva história e ressaltando os professores que se destacaram nessa caminhada heroica, de superações e conquistas. Entre estes docentes abnegados, estão registrados e enaltecidos, além dos já mencionados, os médicos Newton Lacerda, Arnaldo Tavares, Oscar de Castro, Asdrúbal Oliveira, Ephigênio Barbosa, Heronides Coelho e Marco Aurélio Barros, para ficar nos de mais idade, entre vários outros reconhecidos profissionais da medicina paraibana.
O leitor há de observar logo a preocupação do autor com a preservação dos mencionados prédios, alguns atualmente já desaparecidos ou em explícito estado de degradação. Adverte Manoel Jaime à página 11: “Esses prédios são lugares que suscitam lembranças e guardam significâncias para os que aqui residem. Teriam que ser, portanto, preservados e apreciados por todos, em especial, por parte do poder público, o que infelizmente nem sempre acontece. Quando os habitantes desconhecem a história da sua cidade, do seu sítio, tendem a ficar indiferentes diante da deterioração ou da falta de conservação do seu patrimônio”. Sem dúvida, como sabemos, uma pregação no deserto, que ele insiste em fazer, porque essa é a missão irrenunciável dos profetas.
Esse cuidado com as coisas de nossa capital, Manoel Jaime já tinha demonstrado no livro Descobrindo a cidade de João Pessoa (Forma Editorial, 2006), reunião de crônicas sobre os mais diversos sítios de nossa aldeia, sempre com o viés do morador inquieto com os destinos da urbe. Quando li a obra, lembro de que logo proclamei aos quatro ventos: “Manoel Jaime daria um excelente prefeito!”. E daria mesmo, se ele não tivesse juízo suficiente para fugir de tão enganosa tentação.
Feliz a cidade, grande ou pequena, que tem residentes da qualidade de um Manoel Jaime. São pessoas assim que fazem a diferença e, a seu modo, semeiam contrapontos à mediocridade geralmente reinante. Por serem raras e portanto poucas, são como andorinhas que não chegam a fazer o verão, mas cujas presenças são indispensáveis para anunciá-lo e, quem sabe, torná-lo possível.