É comum se discutir a eficiência da psicanálise. Segundo alguns, como método terapêutico ela tem perdido terreno para procedimentos mais práticos e objetivos, como os da psicologia cognitivo-comportamental. Para outros, entre os quais me incluo, o valor da psicanálise situa-se além do divã; está em seus reflexos na Cultura.
A psicanálise não é apenas um método clínico. É sobretudo uma forma nova de ver o ser humano. Antes de o mestre vienense descobrir o inconsciente, o homem contentava-se com a soberania da razão. Achava, com Descartes, que existia porque pensava. Freud alargou a dimensão do eu; mostrou que há domínios obscuros, irracionais, que determinam o que somos – ou o que desejamos ser.
Meu contato com a obra de Freud coincidiu com a elaboração da minha tese de Doutorado. Desde as primeiras leituras dos poemas de Augusto dos Anjos, impressionaram-me as imagens de culpa e melancolia de que eles estão recheados. Por que tanto remorso? – eu me perguntava. Que instrumento teórico seria mais adequado para interpretar aquelas imagens de peso, carga, doença, deterioração da matéria, rejeição da sexualidade?
A psicanálise me permitiu interligar os vários signos que remetem a problemática do Eu a uma culpa atávica. Alguma coisa como o “pecado original”. Quem lê Augusto não se depara apenas com o drama do indivíduo; o poeta não fala apenas de si. Refere uma Dor que é de toda a humanidade.
A leitura da obra de Freud não apenas me serviu de orientação para a tese. Também me fez compreender melhor o homem em seu conflito consigo e com a civilização. Li-a (não toda, ainda) como quem lê um romance com cujo personagem principal é impossível não se identificar: o ego.
Todos somos “egos” e estamos no centro de uma luta penosa entre uma porção instintiva, que procura se afirmar a todo custo, e um supervisor às vezes tirânico chamado superego. Nesse drama está, por assim dizer, a nossa essência.
Temos que servir a dois senhores, como diz o criador da psicanálise. E o mais das vezes rejeitar os prazeres em prol dos interesses da civilização. A vida é renúncia – e vejam como nisso o ateu Freud se aproxima da mensagem cristã.
Segundo Freud, o inconsciente sabe mais de nós do que o nosso intelecto imagina saber. Se o coração tem razões que a própria razão desconhece, o inconsciente tem pulsões que também escapam ao crivo da racionalidade. Espécie de repositório onde recalcamos desde criancinhas nossos desejos, o inconsciente se revela por lapsos, repetições ou desvios que ocorrem na linguagem.
Alguns desses desvios têm efeito humorístico. Em seu livro sobre os chistes, o criador da psicanálise dá o seguinte exemplo:
Um casal com muitos anos de casamento está tomando o café da manhã. Conversam entediados, naquela modorra cansada dos que já não têm assunto. Em dado momento, o homem diz à mulher: – Se um de nós dois morrer, eu vou morar em Paris.
Vejam que há uma falha no discurso do homem – e dessa falha decorre o efeito de humor. Ele primeiro aventa a possibilidade de os dois morrerem, mas em seguida conta o que “vai fazer” caso a esposa (e só ela) morra. Segundo Freud, essa desarticulação lógica teria uma explicação: o marido inconscientemente alimentava o desejo de que a mulher se fosse primeiro do que ele.