Em 2014, o suicídio de Philip Seymour Hoffman e de Robbin Williams — atores de quem eu gostava muito, principalmente o primeiro —, confirmou-me que fizera bem de desistir do cinema no final de 2010, depois de uma overdose de participações que começara com os longas pernambucanos O Som ao Redor - de Kleber Mendonça Filho - e Era uma vez eu, Verônica – de Marcelo Gomes — seguindo-se, aqui em João Pessoa, com uma ponta no capítulo-piloto de um seriado de Carlos Dowling - Arte e a Maneira de Abordar seu Chefe para Pedir um Aumento –, terminando, no sertão, com o curta Antoninha, de Laércio Filho.
Philip Seymour Hoffman e Robbin Williams certamente sentiram o desgaste da vida de cigano – que estanquei na fonte - e, mais, o da entrega total aos dramas intensos de tantos personagens com que ganharam justa fama. Ao dar uma palestra para psicanalistas, no “Espaço do Ser”, aqui na cidade, pareceu-me que os surpreendi quando assegurei que com o ator ocorre um fenômeno fantástico: o corpo acredita na cena que ele vive. Claro, pois não há como enrubescer, chorar ou empalidecer, se não for assim.
Sandra Luna, em seu soberbo Arqueologia da Ação Trágica, põe um ator grego falando sobre lágrimas que já derramara nas tragédias clássicas, século V a.C. Hamlet, ao ver um ensaio do grupo teatral que visita Elsinor, pergunta-se, chocado, na obra-prima de Shakespeare, o que aquele sujeito no palco seria de Hécuba, e Hécuba dele, para que – ante sua morte - chorasse tanto. Há, sempre, um transbordamento incontrolável, de emoção, quando se atua. Em Taperoá, por exemplo, em Eu Sou o Servo, de Eliézer Rolim, tive uma violenta crise de choro, seguida de intensa cefaleia – e não sou dado a esse tipo de coisa – depois de uma cena de fuzilamento que sequer foi aproveitada. Nas filmagens da cena de minha morte, no cearense Lua Cambará – de Rosenberg Cariry, quase emborco junto do personagem. Fui atendido por uma enfermeira, que nos revelou a causa: pressão 16 X 14, “uma vizinhança bastante perigosa”.
Foi emocionante, arrepiante vê-lo transformado, até que, de repente, no auge, no clímax do seu solilóquio belissimamente interpretado, o colapso: ergueu-se num arranco, chorando...Quando digo que representar é a mais terrível das artes é porque escrevi A Canga sem qualquer chilique daquele que tive no cenário seco de Monteiro. E era subgerente da agência do Banco do Brasil, em Pombal, quando, um ano antes de escrever essa história de camponeses, durante o expediente – dias depois de criar minha primeira peça, O Vermelho e o Branco, o texto já sendo encenado pelo colega Ariosvaldo Coqueijo – fui tomado de tal depressão, que, de repente, tirei uma longa tira de papel da máquina de somar e escrevi, de um jato só, um poema que, lido em seguida, teve efeito catártico: fez-me sentir bem, pois sublimara a angústia com aqueles versos, que me pareceram tão bons. Fui mostrá-los a Ariosvaldo, que se emocionou muito e me disse: “Vai ser meu monólogo inicial”. Além de dirigir o espetáculo, ele participava do elenco. Pois bem: acabei fazendo o líder estudantil “subversivo”, antagonista, e nunca vi meu companheiro de cena terminar aquela fala, nos ensaios, interrompido, sempre, por desadorado pranto, que o deixava no chão.
Quando cheguei a João Pessoa, em 70, escrevi uma adaptação da Antígona de Sófocles, na qual cada personagem era de uma época, de acordo com seu caráter: Creonte seria uma espécie de Idi Amin Dada, general tirânico, peito cheio de medalhas; Antígona seria a grega clássica, pura, idealista como a original: seu namorado, Hêmon — com menos atos do que babados — eu o imaginei da Belle Époque; Ismênia, irmã de Antígona, tipo “paz e amor”, tornou-se uma jovem hippie; e o sacerdote, transformei-o num cardeal.
Fonte ▪ SinpfetRO
Porque,
realmente,
não é
fácil.
Daí que, no final de 2010, tendo vivido toda uma vida no isolado e tranquilo silêncio da pintura e o da literatura, concluí que a do ator é a mais terrível das artes. O autor escreve, o diretor dirige, mas é o ator que finalmente tem que saltar no abismo, mergulhar fundo... e desarmar a bomba.