Imaginemos a seguinte situação: Antes de levar o livro para seu editor, Machado de Assis pede para alguém qualificado fazer a leitura crítica de seu “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.
— Tem um problema gravíssimo nesse livro, meu caro! Não vai dar certo uma obra cujo narrador é um defunto. Nem Augusto dos Anjos ousou enredo tão mórbido! – diz o cara após a leitura crítica.
Tempos depois, o mesmo aconteceria com Guimarães Rosa:
— Não, meu amigo, desista desse livro. Muito neologismo. O leitor brasileiro não vai entender nada. Fora que ninguém nunca conseguirá traduzir uma obra dessas para outra língua. E essa paixão por Diadorim? Muito gay, tudo isso! Melhor resolver esses problemas do romance antes de enviá-lo para o editor.
Obviamente, que as narrações acima são frutos da minha imaginação, mas não impossíveis de acontecerem. Vejam o caso de Guimarães Rosa, que foi derrotado em concurso literário para uma obra que até hoje ninguém ouviu falar, mas possivelmente sem nenhum “problema” em sua estrutura.
Sim, estou falando da chamada “leitura crítica”, que está cada vez mais em voga. Muitos autores e autoras não enviam seus livros para editoras sem antes passarem por esses profissionais.
De minha parte não tenho nada contra eles, até porque enquanto editor já faço isso com os livros da Arribaçã. Só acho que nenhum autor ou autora deve ficar refém de uma leitura crítica, seja feita por amigos ou por um profissional pago para tal.
Meus livros só os mostro, antes de publicar, a quem convido para prefaciar. E desses aceito opiniões, toques e críticas, desde que não alterem o que pensei para aquele livro.
Em um deles, o prefaciador, amigo querido, fez enes sugestões de alterações. E eu fui alterando, porque aquilo estava melhorando o que eu tinha pensado para o livro. Mas teve uma hora que tive que interromper as opiniões dele, porque se as seguisse ao pé da letra mudava totalmente o que eu tinha pensado para a obra.
Ou seja: o livro é meu, e não de quem vai fazer a leitura crítica prévia.
Escrever não é tarefa fácil. Além do ofício em si, de se ter domínio da língua portuguesa, da escrita, de ter estilo, etc, precisa-se ter algo a contar e contar de uma forma que torne o leitor nosso cúmplice, mesmo quando ele não concorda com nossos narradores ou nossos poemas.
Colocar um ponto final em um livro é um dos maiores alívios que se pode ter quem escreve. Alívio no sentido de chegar ao fim no mister de escrever uma obra, seja de que gênero for.
E no caso de quem escreve, o fim é apenas o começo, porque a partir de então o livro vai chegar ao leitor e este é quem vai decidir se a obra deve ou não continuar circulando, em feiras de livros, em bibliotecas, de boca a boca, enfim...