A Paraíba tem essa sorte, a de atrair valores de outras plagas, que aqui chegam, se enraízam e se paraibanizam. Citarei apenas três exemplos mais recentes que me vêm à lembrança, sabendo, entretanto, que muitos outros existem: o maestro José Alberto Kaplan, a escritora Maria Valéria Resende e o multiartista W. J. Solha. Kaplan era argentino, de Rosário, e Maria Valéria e Solha são paulistas, ela, de Santos, e ele, de Sorocaba. Deter-me-ei (eita gramática braba!) neste último, para modestamente juntar-me às homenagens por seus oitenta anos, completados neste ano de 2021.
Aos 21 anos de idade, esse sorocabano descobrindo a vida, recém-aprovado no concurso do Banco do Brasil, entre tantas cidades do interior nordestino, escolheu, para trabalhar, a paraibana Pombal, por causa da canção “Maringá”, que conhecia. Veja só. Segundo ele, suas outras opções soaram-lhe muito estranhas: Icó, Caicó, Cabrobó, e por aí ia. Pombal lhe pareceu menos temerária ou surpreendente, e isto terminou por selar o seu destino, pois já lá se vão quase sessenta anos de Paraíba, terra que adotou definitivamente como sua.
Solha distingue em si duas pessoas: o Waldemar José, cidadão comum, e o W. J., o multiartista, financiado pelo primeiro, assumido mecenas do segundo. Foi a passagem (Pesach) de Waldemar José, de Sorocaba para Pombal, que fez nascer o W. J. que até hoje produz arte de qualidade para a Paraíba, o Brasil e o mundo. E os seus reconhecidos talentos revelam-se em suas várias faces: o escritor, o artista plástico, o ator, o produtor e muita coisa mais. Por isso é que é “multi”, inesgotável.
Na riqueza e variedade da vida e da obra de Solha, dois pontos particularmente me chamam a atenção, sem prejuízo de tantos mais.
Primeiro, sua sempre proclamada fidelidade a Pombal, terra ao mesmo tempo áspera e acolhedora que fez brotar sua “persona” literária e artística. Ele sempre fala bem de sua “comarca” sertaneja e sempre reconhece seu papel em sua vida. Isso, para mim, é notável – e bonito. Pois, costumo dizer, fosse um “sulista” ignorante e esnobe, como tantos, até falaria mal da modesta aldeia, cujos encantos insuspeitados só podem ser descobertos por olhos especiais, como os seus. Aqui, em contraponto, impossível é não pensar em pombalenses legítimos, de nascimento, como o grande Celso Furtado, sempre econômico em seu louvor à terra natal. Veja só.
DIR ▪ Solha e Ione, em 1966, na rua em que moraram em Pombal, à espera do primeiro filho, Dmitri
ESQ ▪ Solha (sentado, primeiro à esquerda) com os colegas da agência do Banco do Brasil, em Pombal, 1967.
O segundo ponto tem a ver com sua origem profissional vinculada ao Banco do Brasil, instituição cujos antigos servidores constituíam uma verdadeira “elite” no serviço público brasileiro, assim como os do Itamaraty e os das Forças Armadas. Estas duas últimas eram então realmente elitistas, quase que exclusivas, dado o caráter fortemente “hereditário” de suas prestigiosas carreiras. Já no Banco, não. O acesso era mais democrático e meritório, pois se fazia através de concurso público, onde os mais modestos, com estudo e dedicação, podiam ter as portas abertas. Comparando com o que atualmente se tornou, um banco igual aos outros, o BB perdeu muito de seu antigo prestígio. É o país andando para trás, pode-se dizer, como em tantas outras áreas.ESQ ▪ Solha (sentado, primeiro à esquerda) com os colegas da agência do Banco do Brasil, em Pombal, 1967.
Não saberia avaliar o percentual atual de Waldemar José e de W. J. na totalidade de Solha. Ao tempo em que ainda trabalhava no banco, é provável que a porção de Waldemar José fosse mais significativa. Depois da aposentadoria, com mais tempo para as atividades culturais, imagino que a porção de W. J. tenha crescido. Só Solha poderá dizer o quanto tem hoje em dia de um e de outro.
Waldemar José Solha, fotografado por Antônio David Diniz.
A obra de Solha, sabemos, é vária e premiada. Seu nome se impõe aqui e além, de modo indiscutível. Sua pessoa física e intelectual é uma presença notável, que não pode ser ignorada onde quer que esteja. Não sei se a Assembleia Legislativa já lhe concedeu a cidadania paraibana e a Medalha “Epitácio Pessoa”, por seus relevantes serviços prestados à cultura local (e brasileira). Se ainda não o fez, deve fazê-lo o quanto antes, para não pecar por lerdeza e por omissão, como é, infelizmente, de seu costume.
Não que ele precise de nada disso para ser o grande paraibano que é. Um paraibaníssimo de primeira grandeza que honra os seus conterrâneos.