Nascido em 1912 em Exu, Pernambuco, Luiz Gonzaga foi um dos melhores músicos e artistas que o Brasil já viu. E a maior expressão da música sertaneja nordestina, considerado pelos estudiosos como o mais importante cantor-músico-compositor que o nordeste já produziu.
Tendo o seu pai Januário como mestre e ídolo, ele começou a vida tocando sanfona no interior do nordeste, percorrendo o polígono da seca e absorvendo toda a cultura regional, baseada principalmente no sofrimento do povo nordestino, assolado por esse flagelo.
Aos 13 anos comprou a sua própria sanfona, ajudado pelo coronel Manuel Alencar, seu protetor. Aos 17 saiu de casa para tocar no Crato, do outro lado da Serra do Araripe, e não voltou mais. Vendeu a sua sanfona e sentou praça no exército, em Fortaleza, em busca de uma renda regular. Passou nove anos.
Instalada a Revolução de 30, viajou pelo país sendo o corneteiro da tropa, e foi bater em Minas Gerais, onde mandou fazer uma sanfona e aprimorou o seu domínio, aprendendo escala musical com Domingos Ambrósio, sanfoneiro mineiro.
Depois que deu baixa, emigrou para São Paulo e depois para o Rio de Janeiro, onde voltou à carreira de músico. Porém ainda não tocava músicas regionais nordestinas, senão músicas estrangeiras, nos bares e cabarés da periferia da cidade.
Até que um dia Luiz Gonzaga apresentou-se no Programa de Ary Barroso. Agradando, foi contratado pela Rádio Nacional, a poderosa e maior locomotiva que impulsionava a música brasileira da época. Assim recomeçava a carreira, que só terminaria com o seu falecimento em 1989.
Luiz Gonzaga aperfeiçoou o baião, que então era o único ritmo nordestino aceito pelos sulistas. Nos anos 1940 e 1950 era muito forte a presença do jazz, do Fox e, principalmente, do samba canção, nas noites de Rio de Janeiro e São Paulo.
Porém na Rádio Nacional a sua carreira artística deslanchou. Em 1941 ele gravou o seu primeiro disco, pela gravadora RCA Vitor.
Somente no início da década de 1950é que ele passou a compor e divulgar outros rimos nordestinos, como o xote e o xaxado.
Ao final de sua carreira, entre baiões, xotes, toadas e xaxados, Luiz Gonzaga deixou um acervo de mais de 627 músicas gravadas em 266 discos, 53 músicas de sua autoria, 233 em parcerias e 331 de outros compositores. Foram parcerias com letristas e compositores do maior quilate. Deles destaca-se o advogado cearense Humberto Teixeira, com quem, em cinco anos de parceria, compôs centenas de músicas. E depois com o médico compositor, poeta e folclorista pernambucano Zé Dantas, com quem teve produção semelhante.
Em 1950 gravou a música ao mesmo tempo bela e triste, Assum Preto, que havia feito em parceria com Humberto Teixeira, pela RCA Vitor. E em 1952 confirma o sucesso como principal divulgador da música sertaneja nordestina, gravando a toada Acauã, com Zé Dantas, também pela RCA Vitor.
No mesmo ano de 1952 grava também na RCA Vitor o baião Paraíba, lançada em 1950 com o cearense Humberto Teixeira. E aquela música que viria a se tornar o hino nacional do sertanejo nordestino, Asa Branca, que havia sido lançada em 1947 da mesma parceria com Humberto Teixeira, e também um baião. Vinte anos depois, em 1972, essa música vestiria uma roupa nova na versão espetacular do magnífico conjunto recifense Quinteto Violado. Nesta versão destaca-se memorável solo da flauta de Ciano Alves.
Anos depois Luiz Gonzaga encontrou-se com aquele que se tornou o seu herdeiro artístico natural: o também pernambucano Dominguinhos. A partir daí tornaram-se inseparáveis, em diversos espetáculos pelo Brasil.
Luiz Gonzaga era além de músico um grande artista cênico. A sua presença num palco era contagiante. São notáveis e gostosos os solos de sanfona em diversos espetáculos, como na música Samarica, Parteira. E na homenagem que fez ao jumento, que considerava irmão do sertanejo.
Ao longo de sua carreira participou de milhares de espetáculos pelo Brasil e exterior. Ele teve, então, muitos parceiros. Mas os espetáculos mais notáveis foram com Dominguinhos e com o cearense Raimundo Fagner, com memorável solo de sanfona.
Em inusitada parceria com Hervé Cordovil, Luiz Gonzaga compôs outro hino de nossa geração: o excelente e alegre Vida de Viajante , que canta junto com o filho Gonzaguinha, e contracenou com Fagner.
Ao longo da sua trajetória artística Luiz Gonzaga teve muitos e bons parceiros. Os mais conhecidos são mesmo Zé Dantas e Humberto Teixeira. Um bom exemplo, fruto dessa parceria, é O Xote das Meninas , composto com Zé Dantas e gravado em 1953 pela RCA Vitor. Nesta música Zé Dantas revelou o seu conhecimento de fisiologia e ginecologia. Também mostrou a sua veia poética, ao descrever a transição da infância para a adolescência, comparando a menina-môça com a flor do mandacaru. E ao associar ao fim da estiagem. Bonito!
Mas o escritor, historiador e jornalista investigativo Flávio Ramalho de Brito considera que o melhor de todos foi Zé Marcolino, de Sumé. E em quantidade de músicas teve João Silva, de Garanhuns.
Destaques para Pássaro Carão , música alvissareira com Zé Marcolino. E Uma Pra Mim, Outra Pra Tu , animada mazurca de quadrilha-de-São João, composta em parceria com João Silva, onde Luiz Gonzaga erra maliciosamente a divisão das mulheres do salão. Muito engraçada!
Figura discreta, João Silva compôs mais de duas mil músicas que foram gravadas por grandes nomes da música brasileira. Cem delas só com Luiz Gonzaga.
Luiz Gonzaga era muito atualizado. Como se pode ver no Xote Ecológico , que compôs com Aguinaldo Batista.
Além de músicas de Zé Marcolino, de Sumé, Luiz Gonzaga prestigiou outro autor paraibano: Rivaldo Serrano de Andrade. Pois em 1973 ele gravou a linda música Fogo-Pagou , de autoria de Rivinha Serrano, como era conhecido. Com Humberto Teixeira, Luiz homenageou o seu pai, Januário, com o delicioso xote Respeita Januário .
Sempre divulgando o folclore e a cultura nordestinos, Luiz Gonzaga compôs vário clássicos, como O Jumento é Nosso Irmão Samarica Parteira — música rica em onomatopéias, como boa parte das músicas dele —, Vem Morena e ABC do Sertão .
No ano de 1953 o Nordeste foi assolado por uma das suas piores secas, com grande sofrimento para a população. O desastre ambiental provocou uma das maiores migrações já vistas no Brasil, com levas e mais levas de nordestinos emigrando para o sudeste, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo. À época o Brasil era composto por 20 Estados e seis Territórios federais.
Pois bem: indignados com a inércia e incompetência do governo federal, presidido pelo gaúcho Getúlio Dorneles Vargas, Luiz Gonzaga e Zé Dantas compuseram a música Vozes da Seca, um brado de protesto contra o descaso que à época já era praticado contra o povo nordestino.
Pois bem: indignados com a inércia e incompetência do governo federal, presidido pelo gaúcho Getúlio Dorneles Vargas, Luiz Gonzaga e Zé Dantas compuseram a música Vozes da Seca, um brado de protesto contra o descaso que à época já era praticado contra o povo nordestino.
A letra da música é uma brilhante carta produto da indignação. Dirigindo-se respeitosamente ao presidente Vargas, inicia-se com a apresentação dos signatários, os nordestinos:
“Seu doutor, nordestinos, temos muita gratidão
Pelo auxílio dos sulistas, nesta seca do sertão...”
E continua com uma lembrança de que o presidente Getúlio Vargas foi eleito para governar, também, os nordestinos:
“É por isso que pedimos proteção a vosmicê
Homem, por nós, escolhido, para as rédeas do poder...”
Seguido do alerta para a ampla repercussão do flagelo da seca sobre a população da época:
“Pois doutor, dos vinte estados, temos oito sem chover
Veja bem, mais da metade do Brasil tá sem comer...”
Em seguida dá uma aula de como se deve combater a seca e suas conseqüências:
“Dê serviço a nosso povo, encha os rios e barragens
Dê comida a preço bom, não esqueça a açudagem...”
Oferecendo ao presidente Vargas possibilidades de bons dividendos conservando a dignidade, por ser justo para com o Nordeste e o seu povo humilhado pela situação de ter se tornado pedinte:
“Livre assim, nós da esmola, que no fim desta estiagem
Lhe pagamo inté os juros sem gastar nossa coragem...”
E revela aquilo que será a redenção para o sertanejo nordestino afligido pela seca:
“Se o doutor fizer assim, salva o povo do sertão
Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação
E nunca mais nós pensa em seca, vai dá tudo neste chão
Como vê, nosso destino, mercer tem na vossa mão...”
A canção conclui com uma advertência para o que acontecerá ao povo nordestino, se o governo federal continuar a dar-lhe as costas: tornar-se uma versão moderna do escravo histórico:
“Mas doutor, uma esmola a um homem que é são
Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão!”
Nos dias de hoje, quando o nordestino tem sido tão discriminado por pessoas de baixo nível, racistas de outras plagas em sua maioria, concluímos que agem assim por inveja, por não aceitarem que um povo tratado como cidadão de segunda classe, possa ter dado gente de tanto valor, tanta expressão cultural, política, científica e social, entre os seus filhos.