Vi, tempo atrás, num canal da tevê a cabo, um desses filmes em que a personagem central ganha vida quase eterna. A história tem seu começo ambientado nos anos de 1930. Filme americano, é claro.
Conta a saga de uma moça envolvida num acidente de carro, em noite de tempestade. Caíra, ao volante, num lago extremamente frio e, como se isso já não bastasse, veio-lhe um raio na cabeça. Alguém que passava por perto acionou o socorro médico.
Já no hospital, ela reabria os olhos e reconhecia parentes e amigos. Explicação: o choque térmico suspendera suas funções vitais enquanto milhões de volts, ao invés de fritá-la, modificaram sua estrutura molecular. Suas células, naquele instante, pararam de envelhecer. Mas ela e os seus apenas perceberiam isso ao correr do tempo.
Vão-se o pai, a mãe, o marido e uma sucessão de namorados e ela, ali, firme, do alto dos seus aparentes 20 e poucos anos. Que coisa boa, vocês hão de pensar.
Uma ova. Êpa, acabo de resgatar uma expressão da idade da pedra. Mas retomemos o filme. Imaginem o suplício dessa moça a viver, clandestinamente, com documentos falsos, cidade após cidade. E a fugir dos empregos e relacionamentos mais duradouros a fim de não ser tratada como a um ET.
O único amor que não conseguiu evitar dera-lhe uma filha que, já nos anos de 1980, parte final do filme, aparentava-se a uma avozinha. Aliás, era assim que ambas se tratavam: avó e neta.
E eis que a paixão lhe bate à porta, novamente. Nossa heroína rende-se às exigências do coração e parte com seu amado, a fim de ser apresentada aos futuros sogros. Pasmem: o pai do noivo, um setentão, prontamente nela reconhece aquela que o abandonara, quando jovem, de coração partido, sem aviso nem destino sabido. Uma cicatriz, resultado do corte profundo na mão direita da moça, por ele percebido, eliminava todas as dúvidas.
Os dois, aos prantos, se abraçam, ela explica a razão do abandono e, ato contínuo, foge num carro, doidamente, em noite tempestuosa. Vocês já adivinharam. Esta filha de Deus volta a acordar num leito de hospital depois do mergulho em água congelante e de novo raio na cabeça.
E eu que, até então, estava a gostar do filme, doido para saber como (e se) as coisas se ajeitariam... A mesmice teve em mim o efeito de uma brochura. Hollywood não se emenda.
Eu nem precisaria ver o resto para saber que o gelo e o fogo celestial teriam, desta vez, efeito em contrário. Superado o período de debilidade, a moça abria um riso largo ao notar fios brancos nos cabelos. Ela e o sogro guardaram silêncio e a vida passou a fluir, mansamente, para aquela a quem ele amou e para o filho que havia posto no mundo com outra mulher. Juro que eu teria quebrado o televisor se a fita terminasse com a velha e repisada mensagem: a dos felizes para sempre.
Mas não é essa a razão primordial desta conversa. O que pretendo, mesmo, é dizer que me sinto como a moça do filme em questão toda vez que tento achar alguém do meu passado numa dessas trilhas da internet.
Ponho o nome de um amigo ou de uma antiga namorada no Facebook, indico a cidade onde nasceram… e nada. De repente, atino que os rapazotes e mocinhas da minha juventude hoje passam dos 70, como eu.
Também, que não tiveram, muito provavelmente, a chance profissional do uso do computador, ferramenta já típica do jornalismo e escritos em geral. Em suma, quase sou um ser vagante por eras sucessivas, sem passadas companhias.
Constato, ainda, que viver para sempre seria um belo pé no saco. A tempo: o tal filme, uma produção americana de 2015 com direção de Lee Toland Krieger e elenco onde figuram Blake Lively e Harrison Ford, toma o título de “A incrível história de Adaline”.