Quando meu neto Arthur tinha sete anos, ele me perguntou se estávamos no mês de oitembro. Respondi-lhe que estávamos no mês de outubro. Com uma certa condescendência, ele me disse “Mês de oitubro, vovô!”.
Arthur, na lógica correta da criança, intuiu que o vocábulo setembro está associado a sete e outubro/oitembro/oitubro a oito, assim como novembro e dezembro estão associados a nove e dez, respectivamente. Intuição certeira, embora não seja a hora de explicar-lhe que no primeiro calendário do mundo ocidental, o calendário de Rômulo, datado do século VIII a.C., esses meses, realmente, estabeleciam uma ordem de sete a dez, no ciclo anual daquele calendário de dez meses, cujo início se dava em março: março (em homenagem ao deus Marte, pai dos gêmeos Rômulo e Remo), abril (em homenagem à deusa Vênus, que faz nascer e crescer a vida), maio (em homenagem aos mais velhos, os Patres, base da sociedade romana), junho (em homenagem a Juno e aos mais novos, protegidos por ela ao presidir os nascimentos), quintílio (depois julho, em homenagem a Júlio César), sextílio (depois agosto, em homenagem a Augusto), setembro, outubro, novembro, dezembro.
Só depois, Numa Pompílio, rei que sucedeu a Rômulo, acrescentou ao final do calendário mais dois meses – janeiro e fevereiro. Quando estes, por questões religiosas de saudação do novo sol, que cresce em direção ao solstício de verão, passaram para o início do ano, houve, naturalmente, um deslocamento de duas casas, com setembro passando a ser o mês nove, outubro o dez e assim por diante.
Também não é hora de dizer a Arthur que os grupos /-ac/ (lactem), /-ec/ (pectus), /-oc/ (noctem), /-uc/ (fructum), quando passam para o português, se ditongam em /-ei/ (leite), (peito), /-oi/ (noite), /-ui/ (fruito > fruto). No caso de /-oc/, também pode haver a ditongação em /-ou/, daí que noctem, deu noite e noute; octobrem deu oitubro e outubro, permanecendo mais esta forma do que aquela.
Não é hora, principalmente, de explicar para Arthur que a forma é outubro e não oitembro, como setembro e os demais. Setembro, novembro e dezembro são derivados de septem, nouem e decem, que já trazem no seu radical a bilabial /-m/, que em latim era um fonema pronunciado, não apenas um nasalizador, quando na situado entre uma vogal e uma consoante. Dos numerais cardinais, surgiram as formas derivadas september, nouember e december, que entraram na língua portuguesa pelo acusativo latino, conhecido como caso lexicogênico, o gerador do léxico: septembrem, nouembrem, decembrem.
Com relação a outubro, derivado de octo, sem a bilabial /-m/ e livre da nasalização, a forma derivada surgida do acusativo octobrem foi inicalmente octobre, ocasionado pela apócope (queda do fonema final) do /-m/. Outros ajustes fonéticos vieram em seguida. Recuperou-se o radical alternativo octu-, que se juntou à ditongação (octubre > oitubre); a metafonia, mudança de som de uma vogal para outra, por maior facilidade de prolação, num processo de assimilação (oitubre > outubro). No caso de dezembro (decembre), ocorreu ainda a sonorização do fonema medial surdo, como manda a lei fonética: /-c/ > /-z/.
Muitas coisas ainda não tenho como explicar a Arthur, mas não nego que a sua intuição é das melhores e me ajuda a construir explicações que possam servir a outras pessoas.