Quando publiquei o livro de crônicas “Recado do meu sítio”, em 2007, com prefácio de Carlos Romero, o poeta Luiz Augusto Crispim fez um comentário que trouxe regozijo.
Desejo partilhar com os leitores deste privilegiado espaço de divulgação das artes e de saberes, o depoimento do cronista que, mesmo ausente, sua voz chega aos ouvidos com estímulo para continuar escrevendo.
Nos conhecemos na redação de O Norte, no final de 1970, quando ele copidescava textos e escrevia suas crônicas, eu, aprendiz de repórter, olhava admirado o modo como colocava no papel as expressões da alma.
Sempre penhorei revelada gratidão a Crispim e agora agradeço ao Ambiente de Leitura Carlos Romero pela republicação do artigo recolhido do Correio da Paraíba, do dia 21 de setembro de 2007:
Pequeno sertão: veredas
Luís Augusto Crispim
Não é de hoje este meu banzo por histórias que não vivi, por personagens que jamais serei. Desde os tempos de Nathanael Alves e, ainda hoje, com o amigo Gonzaga Rodrigues no papel principal, morro de inveja das sinfonias pastorais que eles deixaram e ainda deixam impressas no papel.
Tem passos curtos a minha memória. Não vai muito além da cabeceira que está do outro lado da ponte do Sanhauá.
Quando muito, busco sombra e refrigério nos oitizeiros de Tambiá, no cheiro de terra molhada que vem da Bica – é a parte que me cabe nesse latifúndio do tempo em que me assentaram para viver.
É a saudade dos outros, porém, que continua chegando com certa frequência à minha mesa de trabalho.
Desta vez, vem pela mão do jornalista José Nunes com o título que mais parece uma guirlanda de quermesse, quando as quermesses nos faziam ter saudades das guirlandas e das próprias quermesses: Recado do meu sítio.
Lembrou-me Gonzaga outra vez: Notas do meu lugar.
Essas notas, em verdade, me tocam. E quando me chegam, deixam a minha orfandade telúrica ainda mais invejosa. A fronte dos meus oitizeiros parece tão rala, o perfume dos meus eucaliptos tão insípido e tão comum...
Consulto o índice das minhas tardes no quintal a ver se consigo reconhecer algo de novo e exuberante além da púrpura deste meu tapete floral que a ramagem do jambeiro estende sobre os meus brinquedos de menino urbano, exilado em meias e sapatos que eu só tirava para tomar banho e dormir.
Nenhum capítulo saltando do balde do açude. Sequer um verso galopando pelo prado, camisa aberta ao peito.
Casimiro nem tomava conhecimento de mim, muito menos da minha Bica, do meu quintal. Por certo, estas minhas pobres glebas eram demasiadamente exíguas para plantar história e colher lembranças tão viçosas quando as de José Nunes, Gonzaga e Nathanael.
– No lugar onde nasci – conta Zé Nunes – as veredas faziam parte do cotidiano das famílias, quando estas andavam em lombo de cavalo, em carro-de-boi e cabriolé. Era uma vidinha alegre. Sabíamos que nos roçados e nos canaviais estava o sustento de todos (...). Os canaviais se abrindo em bonança, com a rapadura e a cachaça chegando às feiras e bodegas. Veredas e canaviais como o destino de todos.
As minhas veredas não viajam para longe. Elas sempre acabam pertinho, aos pés do muro da cantoria do Convento de Santo Antônio, aos olhos e aos ouvidos do velho leão do adro de São Francisco, que de tão velho nunca mais rugiu.
É só o longe que conheço.
Luís Augusto Crispim
Não é de hoje este meu banzo por histórias que não vivi, por personagens que jamais serei. Desde os tempos de Nathanael Alves e, ainda hoje, com o amigo Gonzaga Rodrigues no papel principal, morro de inveja das sinfonias pastorais que eles deixaram e ainda deixam impressas no papel.
Tem passos curtos a minha memória. Não vai muito além da cabeceira que está do outro lado da ponte do Sanhauá.
Quando muito, busco sombra e refrigério nos oitizeiros de Tambiá, no cheiro de terra molhada que vem da Bica – é a parte que me cabe nesse latifúndio do tempo em que me assentaram para viver.
É a saudade dos outros, porém, que continua chegando com certa frequência à minha mesa de trabalho.
Desta vez, vem pela mão do jornalista José Nunes com o título que mais parece uma guirlanda de quermesse, quando as quermesses nos faziam ter saudades das guirlandas e das próprias quermesses: Recado do meu sítio.
Lembrou-me Gonzaga outra vez: Notas do meu lugar.
Essas notas, em verdade, me tocam. E quando me chegam, deixam a minha orfandade telúrica ainda mais invejosa. A fronte dos meus oitizeiros parece tão rala, o perfume dos meus eucaliptos tão insípido e tão comum...
Consulto o índice das minhas tardes no quintal a ver se consigo reconhecer algo de novo e exuberante além da púrpura deste meu tapete floral que a ramagem do jambeiro estende sobre os meus brinquedos de menino urbano, exilado em meias e sapatos que eu só tirava para tomar banho e dormir.
Nenhum capítulo saltando do balde do açude. Sequer um verso galopando pelo prado, camisa aberta ao peito.
‘Pés descalços, braços nus.
Correndo pelas campinas.
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!...
Casimiro nem tomava conhecimento de mim, muito menos da minha Bica, do meu quintal. Por certo, estas minhas pobres glebas eram demasiadamente exíguas para plantar história e colher lembranças tão viçosas quando as de José Nunes, Gonzaga e Nathanael.
– No lugar onde nasci – conta Zé Nunes – as veredas faziam parte do cotidiano das famílias, quando estas andavam em lombo de cavalo, em carro-de-boi e cabriolé. Era uma vidinha alegre. Sabíamos que nos roçados e nos canaviais estava o sustento de todos (...). Os canaviais se abrindo em bonança, com a rapadura e a cachaça chegando às feiras e bodegas. Veredas e canaviais como o destino de todos.
As minhas veredas não viajam para longe. Elas sempre acabam pertinho, aos pés do muro da cantoria do Convento de Santo Antônio, aos olhos e aos ouvidos do velho leão do adro de São Francisco, que de tão velho nunca mais rugiu.
É só o longe que conheço.