Estamos montando um museu. Insinuo-me no plural do verbo por ser dos que se batem, há anos, contra essa carência inexplicável de um mirant...

O museu da cidade

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Estamos montando um museu. Insinuo-me no plural do verbo por ser dos que se batem, há anos, contra essa carência inexplicável de um mirante produzido artisticamente acomodado à sombra e ao formato de uma casa que não se avista para não lembrar uma das cicatrizes mais arraigadas da nossa história, a de 1930.

Museu por si mesma, a casa está pronta, restaurada, e me foi dado ingressar e ver por dentro o aposento onde demorou por pouco tempo a família e a intimidade do homem particular que o palácio ou a causa pública sacrificou. Assassinado há 91 anos, e desaparecida a república que invocou sua luta e seu nome para instalar-se, nenhum outro paraibano tem demorado e subido mais pronta e emocionalmente à memória do seu povo. “Ainda hoje me emociono” – palavras envelhecidas de Celso Furtado, cientista social de universais cenários, recordando impressão da infância.

Por aí já começou o museu, que é a própria cidade, ela mesma escolhendo seu nome pela primeira vez com a voz do povo. O povo da rua, o povo com vestes de soldado, de revolucionário ou do azul e branco da Escola Normal. Casa de João Pessoa, cidade de João Pessoa, Museu da cidade.

Entre um rio e outro, no mesmo cenário, os templos sacros e os cívicos. E a cidade quase a mesma por mais que tenha, urbanamente, se dilatado. O que cresceu, entretanto, ainda não rende ou dá postal. O espigão não faz a diferença. Já o postal que a representa e confere lá fora com o do turista ou com a ilustração da geografia ou enciclopédia é o da colina de torres sagradas ou o das águas fluviais ou de biqueira que, com o lago central, irrigam os olhos do mundo com a cidade mais vegetal do que urbana. Cidade que, mesmo em guerra, exposta à cobiça invasora por madeira de tinta, açúcar, papagaios e frutos tropicais, não perdeu o “ar sutil” sentido e percebido logo de começo pelo general holandês que nos deu a primeira descrição confirmada pelo quadro de Frans Post, pintor do período nassoviano cuja reprodução da nossa primeira paisagem se acha pronta para abrir a galeria.

Não vai ser fácil se a cidade se dispuser a sair da discrição em que se esconde e se associar ao ânimo operoso dos fundadores. Sugerindo, discutindo, doando. Um brinco de D. Olivina Olívia Carneiro da Cunha é peça de museu. Como será peça de museu, tanto quanto um flagrante dos tumultos de 1930, um original ou reprodução de documento da época. Um bico de pena de Arnaldo Tavares, um óleo de Lira, uma foto de Stuckert ou de Walfredo Rodriguez, magias que recompõem o tempo e seus personagens.

A Gráfica Santa Marta conserva, à entrada, o prelo manual por onde tudo começou. Até quando atuei na vida de A União, vi conservarem a máquina sueca comprada em 1928 para modernizar o jornal.

Enfim, é sair de um museu ao sol, que é a própria cidade, para entrar noutro que pretende ser a sua síntese. E mais que isto pelo esforço e arte de recompor, com os avanços de hoje, as joias perdidas, a exemplo do convento e igreja do Almagre.

Há muita preciosidade lá fora. Só como exemplo, o acervo de fotos e notas que o alagoa-novense Luiz Avelima foi encontrar num museu de São Paulo sobre o coco de roda, o bumba-meu-boi e a macumba da Torre e de nossa Alagoa Nova, colhidas por Mário de Andrade em sua passagem pelo Nordeste.

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