Aconteceu em 26 de dezembro de 1859. Com dona Tereza Cristina, a imperatriz, a reboque, Dom Pedro II desembarcou do APA, no Porto do Varadouro, ainda profundo o suficiente para receber, em plena João Pessoa, o vapor da frota imperial.
No dia seguinte, cedo da manhã, ele pegava o rumo de Pilar, na época o coração da Zona Canavieira da Paraíba. Viagem feita a cavalo, com dona Tereza, numa carruagem, a tomar poeira. Cavaleiro exímio, o homem puxou o ritmo da marcha e, logo mais, com sua comitiva, batia à porta do Engenho São João para o desjejum.
O romancista José Lins do Rego – aparentemente baseado na conversa dos mais velhos, ouvida à mesa do Engenho Corredor, onde nasceu – escreveu que na parada seguinte, a do Engenho Maraú, o grupo desmontou para o almoço e o descanso dos animais. Ali, um pé de fruta-pão exibia-se com sua melhor carga. Servido de uma bacia para lavar o rosto e as mãos, Dom Pedro contemplou nuvens pesadas que então se formavam: “A atmosfera está carregada”, observou. O barão de Maraú, dono da casa, olhou para a árvore e, todo solícito, deu sequência à conversa: “Vossa Majestade não viu nada. Carregada estava no ano passado. Era cada atmosferão”...
É do mesmo José Lins a história da prisão do presidente da Câmara Municipal de Pilar, um parente seu, que recebera bom dinheiro a fim de preparar a cidade para a mais importante visita de toda a história. Quase nada havia sido feito. Dom Pedro chegou à casa onde deveria pernoitar, jogou o chapéu-do-chile no chão e deitou-se na rede do pedreiro.
Passei um tempão a acreditar nessa história até pôr as vistas no livro do historiador Maurílio de Almeida, “Presença de Dom Pedro II na Paraíba”. Ele a desdiz, completamente. O romancista, neste ponto, teria falado mais alto do que o memorialista que José Lins também era. Aliás, todos os volumes do chamado “Ciclo da Cana de Açúcar”, a sua essência literária, são um misto de ficção e realidade. Mas, o que seria desses enredos sem as artes e o poder de criação do autor? Pois bem, Maurílio teve acesso, em Petrópolis, às anotações feitas, do próprio punho, por Dom Pedro II acerca dessa viagem. E as reproduziu, fielmente, na obra com que brindou a Paraíba e sua história.
Impressionante a forma detalhada como o Imperador descreve o Pilar daqueles tempos. A Igreja e a Casa de Câmara e Cadeia, uma de frente para outra, as ruas em paralelo com o rio e o fogo lambendo o canavial a poucos passos dos quintais. É incrível como a paisagem pouco mudou por ali.
Sugeri a Heitor Maroja, então presidente da Fundação Menino de Engenho, que se valesse dos préstimos do primo Odilon Ribeiro Coutinho – adepto da Monarquia e seu defensor no plebiscito de 1993 – para tirar cópia das notas de Dom Pedro, a fim de exibi-las no arremedo de museu que, na ocasião, tentavam implantar na mesma Casa de Câmara e Cadeia, onde o Imperador concedeu beija-mão à sociedade paraibana. Humberto Lucena — presidente do Congresso Nacional e outro primo de Heitor — conseguiu, no governo de Sarney, a restauração desse prédio com técnicos e recursos do Iphan.
Era uma época na qual Dom Joãozinho, um dos príncipes inscritos na ordem de herdeiros da Coroa, desembarcava na Paraíba em campanha pela volta da Monarquia. Odilon o recepcionava. Dias depois, Heitor me contava que sua proposta fora bem recebida. De todo modo, a ideia não avançou: morreu com meu velho amigo e com o projeto de ascensão ao trono dos príncipes brasileiros.