Ele acordou e decidiu fazer tudo diferente. Desde jovem era mal humorado, com o tempo foi se tornando grosseiro, intolerante, desconfiado, arrogante, egoísta, chato e rancoroso. Suas escolhas e o jeito de encarar a vida o transformaram num homem triste, isolado, mal amado, mal sucedido, embrutecido e angustiado.
Era uma segunda-feira, justamente o dia da semana que mais o enervava. Voltar ao trabalho, encontrar pessoas, cumprir obrigações, enfrentar o trânsito... Tudo o torturava. Era mais um dia perfeito para ser péssimo, mas ele decidiu fazer diferente.
Ele não sabe explicar o que aconteceu, mas o fato é que naquele dia ele fez diferente. Levantou em silêncio, fez o café e o serviu na cama à esposa, que achou que ainda estava sonhando. Depois, viu no armário uma sacola de biscoito e resolveu levá-la para o trabalho.
No elevador, cumprimentou o vizinho e, ao se despedir, desejou-lhe um excelente dia. O vizinho, desacostumado com tal atitude, retribuiu timidamente, ainda com medo do que poderia estar acontecendo. Na saída do prédio, outro morador fez sinal para entrar na garagem. Ele piscou o farol e deu a preferência. Ao cruzarem os veículos, ouviu um “muito obrigado” e se surpreendeu, mas gostou de ouvir aquilo.
Ajudou uma pessoa no sinal fechado, dando-lhe algumas moedas. No outro sinal, parou ainda na luz amarela, o que não era costume. Mudou a rádio de notícias para uma estação que tocava música. Estava cedo e ele enxergou o sol levantando no horizonte. Ficou surpreso em nunca ter reparado que, naquele horário, naquela falha de prédios, naquele ângulo, o sol aparecia inteiro entre os edifícios. Estava radiante e, quando se deu conta, estava assobiando.
Chegou no trabalho, parou no portão, perguntou o nome do vigilante e lhe agradeceu. O vigilante retribuiu a gentileza e o ajudou a estacionar o automóvel na garagem apertada que sempre o incomodava. Saiu do carro animado, deixou a sacola de biscoito na salinha do café e ofereceu a quem estava perto. A secretária comeu saboreando, disse que era seu preferido e que há muito tempo não desfrutava daquele tipo de biscoito.
Ele foi para sua mesa com uma sensação boa naquela manhã. Trabalhou com disposição e prazer. Estava terminando um documento que possibilitaria uma senhora adquirir um empréstimo para comprar uma casa. Nunca o serviço havia sido tão rápido e produtivo. E ele ficou feliz com o bom trabalho.
Na hora do almoço, diferente de outros dias, sentou-se perto de todos, ouviu atento as conversas e contou uma história de sua infância.
Na volta para casa, parou na padaria e esperou sair o pão do forno. Ao chegar, sorriu e anunciou que o pãozinho estava quente. Foi recompensado com beijos da filha e da esposa. Sentaram à mesa, comeram, conversaram e riram como há muito tempo não faziam.
A segunda-feira era a mesma, o trânsito era o mesmo, o trabalho era o mesmo, mas ele estava diferente e feliz.
It's a Wonderful Life ▪ 1946