A nossa opção por Tarcisio Burity ao lembrar seu nome num painel de homenagens aos 80 anos da Academia Paraibana de Letras, acontecimento a que se associa a Fundação Joaquim Nabuco, pode ser vista até sob suspeição, diante da pontinha que fui chamado a fazer em suas duas gestões no governo do nosso Estado. No primeiro, como auxiliar direto, no segundo governo como coautor de publicações destinadas à preservação em álbuns de tratamento gráfico compatível com a singularidade histórica e monumental da terceira cidade mais antiga do Brasil.
Deixando-nos aos 62 anos, num momento que a seguir o veremos definir, com Albert Camus, em a hora da consciência, de vistas espirituais mergulhadas no fundo de leituras do mundo e do finalismo da existência, deixou-nos o professor Burity, episodicamente governador, além das obras e iniciativas do geral consenso, o seu lugar seguro entre os pensadores do Direito, da Filosofia, da leitura sociológica de reconhecimento e interesse dos mais distintos auditórios. O professor Celso Lafer,
Lafer se refere com saudade à última conversa que tiveram, não sobre Kelsen ou Miguel Reale, que eram as costumeiras, mas sobre Hannah Arendt, “cada um à sua maneira, aventurando-se a falar com ela para “ingressar no espaço público da palavra e da ação,( sendo) a vida política objeto de muita frequência ao correr dos tempos”.
Nos idos de 1992, Burity em pleno fastígio político, consagrado, após seu primeiro governo, com a mais expressiva votação alcançada por um representante da Paraíba na Câmara dos deputados, vem ele em procura da Academia Paraibana de Letras com estas palavras de clara metafísica existencial:
“Existem acontecimentos – palavras de seu discurso de posse – que se revestem de especial significação na vida de cada um de nós e na existência das comunidades. São instantes que falam por si, tão grande é o peso de suas consequências como que a revelar os mistérios do destino humano.
Os antigos acreditavam nas Parcas, divindades que teciam, dobravam e cortavam o fio da vida. Os cristãos falam da ação da Providência. O mesmo se diga dos que acreditam na força do Destino, onde tudo já está previamente traçado e de forma inelutável, tornando-se inútil qualquer esforço contrário. Sejam as Parcas, seja a Providência ou seja o Destino, a verdade é que o homem sente-se pequeno e fragilíssimo diante do incomensurável da vida e do universo”.
Os antigos acreditavam nas Parcas, divindades que teciam, dobravam e cortavam o fio da vida. Os cristãos falam da ação da Providência. O mesmo se diga dos que acreditam na força do Destino, onde tudo já está previamente traçado e de forma inelutável, tornando-se inútil qualquer esforço contrário. Sejam as Parcas, seja a Providência ou seja o Destino, a verdade é que o homem sente-se pequeno e fragilíssimo diante do incomensurável da vida e do universo”.
Muito mais do que o espaço monumental destinado à cultura de sua terra, lembrou-nos a lição de Pascal para quem toda a nossa dignidade reside no labor do pensamento, na consciência de que morre e que em vida, como Sísifo, “a cada um dos instantes em que desce da montanha para recomeçar a luta sem fim, ele se torna superior ao seu próprio destino”.
Todo esse introito vem à tona para alçar aquele mínimo instante que Burity foi achar em Albert Camus, uma espécie de respiração de Sísifo para subir de novo com o seu rochedo. O “instante da respiração”, da hora da consciência. Ora, a montanha que o Destino reservara ao nosso personagem, ainda estava para desabar em suas costas. Costas largas de pedreiro que é como Gore Vidal vai alcançar as de Sócrates em sua “Criação” super imaginosa.
Estou a ver Tarcísio Burity, neste exato momento, em sua “logica de rico expositor” , falando aos convivas culturais da Fundação Joaquim Nabuco, todos numa atenção de sala de aula. E não fiquei sozinho nesse encantamento. A professora Ângela Bezerra de Castro, também boa expositora, mais espontânea, em discurso de homenagem póstuma ao amigo e confrade, vem em minha ajuda:

Ângela B. Castro
“Ouvi-lo, acompanhar o desenvolvimento matemático do seu raciocínio, era um dos encantos dessa preciosa convivência.” E traz esse detalhe: “Se o tema era literário cercava-se ainda de maiores cuidados. Foi assim quando produziu a conferência O trágico em José Lins do Rego e Gilberto Freyre. Mas no instante de ler é que ele ainda se superou, porque, então, era o professor em sua plenitude”.
Outro vulto de presença fugidia mas por todos nós acompanhado, Francisco Pereira Nóbrega, este foi professor de Burity entre a infância e a adolescência:

Francisco P. Nóbrega
“Um dia me telefonou – lembra em entrevista a Biu Ramos – Queria montar uma revista paraibana de peso no Brasil. Era essa a sua vocação natural. E acreditava em nossos recursos locais. A revista não aconteceu. E o homem que poderia ter sido muito mais conhecido no Brasil, no Exterior, se tivesse restado na esfera intelectual, prestou sim, grandes serviços à Paraíba. (...) Um dia, um tiro o acertou. (...) Como ato extremamente grandioso, o perdão de Burity talvez não tenha vindo porque seu coração parou antes do esperado”.
Fiquemos por aqui com um dos poucos governadores que pesaram e alcançaram o sentido desta Casa. Deu-lhe recursos para a ampliação da sede. E veio dar-lhe a sua presença aqui guardada além do calcário de suas paredes. Do seu governo, desde a surpresa da escolha à surpresa bem maior de suas intervenções resolutas ou do seu desempenho, temos a fortuna biográfica do livro que Biu Ramos lhe dedicou: BURITY – Esplendor & Tragédia.
Numa manhã de sábado, estando com Hélio Zenaide no terraço do ministro José Américo, o ouvimos perguntar: “O que vocês acham de Burity?” Estávamos naquela fase de escolha dos governos pelo processo que começa a reacender saudades nos que não conviveram com ele.
Entreolhamo-nos, eu e Hélio, sem atinar no sentido da pergunta. Os nomes engolfados na disputa, sobretudo em busca da simpatia do solitário patriarca de Tambaú, eram os do costume. E o de Tarcísio Burity, circunscrito ao da sua gestão na secretaria de Educação e Cultura, ele próprio empolgado com a entrega à Paraíba de um Espaço Cultural que a maioria dos disputantes da Arena e do MDB achava obra faraônica, estava longe de nos ajudar na resposta ao ministro: “O que vocês acham de Burity, foi um bom secretário?”. Fizemos coro à opinião geral de admiração e surpresa com a constância dos Festivais de Areia, a construção de colégios grandes e pequenos, mais de mil salas de aula abertas. E até com o fabrico de violinos para prover o aprendizado de música na escola, a paixão de Burity.
I.S. Valentin
E vem mais uma surpresa: governando na ditadura, sendo escolhido por ela já dissimulada em abertura lenta e gradual, manda abrir as páginas do jornal A União, a centenário folha oficial, às falas e críticas procedentes da Oposição. “Não há democracia sem imprensa livre”, inscreve-se no cabeçalho do vetusto jornal.
Foi o primeiro governador da Arena a defender abertamente a eleição direta para presidente. A questão camponesa, a mais renitente no âmbito do ódio latifundiário e na caça da repressão, teve episódios que o trouxeram para o flanco de dom José Maria Pires. Tendo exemplo principal em Alagamar, com seu diálogo de lógica matemática, já mencionado, trazendo o governo federal para garantir a posse de 700 famílias. Ou na liberação das irmãs holandesas do cerco da polícia, Burity acordado de madruga pelo arcebispo para irem pessoalmente soltar as freiras.
Gov. PB
Tarcísio Burity e o presidente José Sarney em na cerimônia de inauguração do Açude Caraibeira, em Picuí/PB Gov. PB
Funesc ▪ Gov. PB
Eu o vi bater no birô quando o governo federal suprimiu o dinheiro da emergência da seca. Os cofres da secretaria de finanças cobririam um santo para descobrir o resto. Bateu no birô, como veio bater depois quando fecharam o Banco do Estado, pagou aos emergentes, incluindo na conta as suas mulheres, que ficassem em casa, remuneradas, cuidando dos seus filhos e do seu homem. Do lado de cá tirou-nos da apatia gerada pela cidade nova, que, perto dos 400 anos, descobrira o caminho do mar, esquecendo a colina histórica e sagrada. Sem ser contra, dilatando-a a Norte e a Sul, fomentou não só espírito mas a vontade de preservação, tendo começado por São Francisco e formando uma escola de restauradores a partir de um grupo de tranbalho que valia por uma secretaria de governo. Isto inspirou uma mentalidade, influiu nos que vieram depois e no próprio comercio com seus investimentos de repercussão restauradora como aconteceu com o núcleo antes degradado entre a Beaurepaire Rohan e os fundos do Palácio, a antiga Silva Jardim, reestruturada na gestão anterior do prefeito Cicero Lucena.
1990s ▪ Tarcísio Burity, em seu segundo mandato como governador da Paraíba, cumprimenta Eleazar de Carvalho, regente da Orquestra Sinfônica da Paraíba Gov. PB
▪ Palestra apresentada nas comemorações dos 80 anos da Academia Paraibana de Letras, através do canal do youtube da Fundação Joaquim Nabuco, que se associou ao evento, em setembro/2021.