Quem valoriza produtos orgânicos, não resiste à uma banca de frutas em plena estrada... e, se existe uma falta real de uma apreciada, justifica e faz necessária a procura. A maior possibilidade seria não encontrar, em pleno sábado à tarde, algum remanescente vendedor. O olhar atento perscrutava adiante.
“Se a vista não é o mais necessário de todos os sentidos, é pelo menos o que nos dá maior prazer; e de todos os nossos órgãos, os que contribuem para gerar parecerem os mais úteis e os que proporcionam maior felicidade” (Montaigne).
Roma, apareceu na placa sinalizadora, mas não tinha ninguém postado no acostamento... todos deviam estar dormindo... o calor no brejo é abafado! O próximo lugarejo, Rua Nova, não lembrava nada interessante, até que, de longe, uma cor verde fluorescente, seduziu o olhar para uma bem organizada barraca de frutas, anexa à casa, da mesma chamativa cor. Um Flamboyant apoiava a lateral da bancada.
“Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramos” (F Garcia Lorca).
Verde vento. Verdes ramos” (F Garcia Lorca).
Uma sequência de “montinhos”, de manga rosa e espada, banana, laranja cravo, limão, maracujá, caju, mamão, uma paleta de cores vivas e odores variados, à escolha de qualquer comprador mais exigente. A vendedora, de tão pequena, quase não alcançava as frutas, e, não sabia o preço de algumas, quando se percebeu incompetente para a tarefa, gritou:
- Papai, tem gente aqui para comprar! Logo surgiu um homem sorridente, de uns quarenta anos, louro, de olhos verdes e pele tostada pelo sol, e assumiu o atendimento. Separou a fruta solicitada, e propôs:
- Adivinhe o que tenho para vender? Pode me acompanhar? E, caminhou apressado, abriu uma porta para um pátio cimentado, onde cascas de feijão cobriam o espaço ensolarado, como um exótico tapete de vagens secas. Ele, extremamente feliz, apontou para o chão e acrescentou:
- Acabei de bater, é todo o meu roçado... desculpou-se por não ter de apresentado antes, seu nome era Tinoco, dirigiu-se à uma mesa de madeira rústica, com todo feijão espalhado, e foi concluindo: - Quantos quilos vai querer? Como negar uma compra para tão grande expectativa? Mais outra sacola foi entregue, e retomada, para aliviar o peso, por mãos cheias de calosidades, pelo trabalho com a terra! Nada de hidratantes franceses, mas de uma delicadeza de atitudes rara, atualmente...
“Nenhum gesto de gentileza, por menor que seja, é perdido” (Esopo).
Sr. Tinoco separou as compras no banco que estava encostado na parede, onde também descansava uma sela de cavalo, quando indagado sobre valores, contestou:
- Ainda não, tenho uma surpresa que não vai acertar!
- Feijão verde? O diálogo prosseguia, com descontração e alegria...
- Não senhora, uma fava-vovó que acabei de descascar. Antes que recusasse a oferta, ele desapareceu por trás de uma cortina de algodão florido para voltar com um saco do precioso grão.
“Há encontros na vida, em que a verdade e a simplicidade são o melhor artifício do mundo” (Jean de la Bruyère).
Interessado em quando a freguesa retornaria, intempestivamente falou:
- Tenho um motivo especial, para nunca mais deixar de parar aqui.
- Há muito tempo procuro uma semente, já encomendei a todos que conheço, mesmo de outras cidades, até que um primo trouxe de um sítio distante, como fiquei satisfeito! Plantei aqui no meu quintal, e vou colher hoje. Aguarde aqui um pouco, vou buscar seu presente. Enquanto administrava a ansiedade diante do imprevisível, um segundo comprador, com uma cesta nas mãos, olhava as frutas expostas, e comentava como os “tempos estavam difíceis”... a cortina abriu novamente, e surgiu Sr. Tinoco... trazia nos braços uma fruta cilíndrica, de uns dois a três quilos, de coloração amarelo claro, formato perfeito, sem ondulações ou ranhuras, de toque aveludado. O riso do portador alargou-se de canto a canto, o presente não fora reconhecido! Ele, eufórico em surpreender a cliente urbana, revelou:
- É um melão-coalhada!
Se soubesse que a freguesa detestava os dois!!! Tiraria o encanto de tanta disponibilidade!
“Quem semeia cortesia, colhe amizade” (São Basílio).
As orientações foram passadas de como servir o melão, cortar em fatias e polvilhar açúcar, e provar a melhor fruta do mundo. Agradecimentos feitos, ao mesmo tempo voltou-se para o outro cliente, e o chamou à parte, falando baixinho: Já vendi bem para o fim de semana, leve todas essas bananas para os meninos.
“Aquele que tem caridade no coração, tem sempre qualquer coisa para dar” (Santo Agostinho).
No caminho de volta, pensava como decifrar o enigma do presente... lembrei que um neto gostava de melão! Resolvido o problema!
Mimo repassado, com a bula do uso correto e a propaganda do sabor dos deuses. Solicitei uma foto bem preparada, para comer com os olhos. No dia seguinte, o toque do zap, e uma linda postagem de um prato de louça portuguesa, com a fatia do melão no centro. Impaciente, liguei imediatamente. A voz do outro lado, gaguejou, e imaginei: Como deve ter adorado!
- Vovó, a fruta é bonita e muito perfumada... fiz tudo direitinho..., mas não tem gosto de nada!
- De nada?
- Sim, vovó, de nada... com açúcar!
“Se as coisas são inatingíveis...!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas” (Mário Quintana).
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas” (Mário Quintana).