Bendito o tempo que conduz nossa vida, que acrescenta experiência, que nos dá sapiência, que oferece a oportunidade de construirmos nossa identidade, que nos proporciona astúcia para compor uma biografia.
O envelhecimento vem me ensinando a viver plenamente, e a abraçar a vida com sentimentos de amor-próprio. Vejo com clareza meu sentir e o quanto sou corajosa em redesenhar o roteiro da vida. Concluo que a felicidade está em mim. Reconheço minhas imperfeições, meus medos, minha vulnerabilidade, mas sou a dona do meu espaço amoroso e nada abalará essa enorme certeza do quanto minha vida é rara e preciosa. Tento conservar o tom adequado nesse enredo musicado que vai fortalecendo minha natureza e crescendo como crescem todos os seres vivos.
O tempo passa sem que eu o tema. Observo meu envelhecer chegar sem ansiedade, sem angústias. Meu corpo alargou, algumas rugas apareceram, aqui e ali sobram peles, mas me sinto maravilhosamente bem.
Ainda me deslumbro com a vida e a celebro com alegria. Tenho a oportunidade de viver plenamente sozinha comigo mesma e, ao invés de sentir solitária, me conheço cada vez mais e tenho consciência do quanto me basto para ser feliz. O corpo é só um veículo que uso para me conduzir, para exercitar os sentidos. Não sou vaidosa e não me preocupo em buscar procedimentos que possam mostrar uma jovialidade que o tempo já levou. Para mim, o que vale mesmo, é o mistério que carrego em meus sentimentos, em minhas emoções e principalmente, em minha argúcia.
Nesta altura da vida, percebo que sou mais intensa em viver a dor do outro, em me comover, em tentar minorar a aflição e isto, preenche profundamente meu sentir. No entanto, a frivolidade de algumas pessoas me espanta, mesmo sabendo que cada um tem uma maneira de encarar e se situar no mundo. Quando penso em amizades, amores, me preocupo em não negligenciar de cultivar estas relações afetuosas. Sei o quanto são essenciais e possuem um real significado em minha vida. Cada abraço, cada gesto de carinho vem impregnado de sentimentos que me completam.
Sei que a vida é implacável em seguir seu curso, que os problemas e desafios continuarão surgindo, mas se eu conseguir deixar que prevaleça o bom humor, a alegria e a aconchegante esperança, certamente minha existência será leve e feliz. Segundo Cora Coralina, “O que vale na vida não é o ponto de partida, e sim, a caminhada”.
Por mais avanços na ciência, ainda não se descobriu a fórmula para impedir o envelhecimento do corpo. O amadurecimento, que todos vivem para completar o ciclo da vida é inevitável. Nossa sociedade é cruel em supervalorizar a juventude, em estimular procedimentos para retardar o envelhecimento e com isto, percebemos pessoas frustradas, numa eterna e ilusória busca da fonte da juventude.
Para mim, o temor é perder a capacidade mental, é perder a alegria e o deslumbramento com o mundo. Quero viver sem me importar com o tempo cronológico, e sim, me guiar por uma cronologia espiritual que só depende da essência do momento que estarei vivendo.
A chave do rejuvenescimento está em disponibilizar-se a aprender sempre, a nunca deixar esgotar a curiosidade, a não cultivar a arrogância de detentor de toda a sabedoria do mundo.
Sempre observei o movimento encantador da natureza e ela é meu guia. Fui germinada, cresci, floresci, dei frutos, amadureci minhas folhas e tronco e hoje, sou sombra acolhedora. Isto eu quero que perdure em mim, meus sentimentos de afeto, carinho, de empatia, generosidade e acolhimento com as outras pessoas. Sou preenchida de gratidão pela vida, por ser corajosa, tolerante, por estar sempre inundada de amor.
Sei que a felicidade é intermitente, que tudo que me acontece faz parte do ciclo da vida e eu aceito isso com humildade.
Que o tempo não me tire a essência, só me deixe envelhecer com sabedoria e em paz.
O texto é um fragmento do livro TEMPO DE CONTAR TELHAS, em fase de acabamento.