Lutei para manter meus olhos abertos, acreditando que assim sustentaria o coração e o cérebro funcionando. Mantive o tempo que pude, mas sei que ali vivi uma morte.
Tive uma espécie de convulsão por algum tempo, com visões e sensações muito fortes. Cheguei a olhar nos olhos do homem que me socorria e ver e ouvir a voz de Deus que falava comigo. Senti a consistência do meu corpo de forma diferente; parecia uma espuma densa e macia ao mesmo tempo.
Vi-me fora dele.
Fui levada ao hospital onde fiquei por uns dias, para avaliação e cuidados médicos. Quando voltei para casa senti uma mistura de medo e coragem. Medo do que estava acontecendo, do desconhecido. E coragem de viver o desconhecido sozinha naquele momento.
Os véus que encobrem o mundo aos poucos caíam à minha frente, me assustando.
Em algum ponto eu tinha a certeza de que não tinha volta.
Um sentimento de solidão muito forte. Porém, lá nesse lugar encontrei uma força silenciosa, uma fé em um Deus que nem era da igreja católico-espírita do meu pai nem da igreja protestante da minha mãe, mas alguém que estava o tempo todo dentro de mim, amorosamente comigo, torcendo para que eu escolhesse pela vida.
Foi uma sustentação difícil, lenta, passo a passo, dia-a-dia, certa que se alguém soubesse dos detalhes do que se passava dentro de mim certamente acharia que estava enlouquecendo. De fato, enxerguei a tênue linha que separa a loucura da sanidade, avistei a morte, a loucura e o infinito tão de perto que não sei como consegui manter-me viva e lúcida, tentando sustentar o que às vezes parecia insustentável. Perdia-me no caminho da padaria até minha casa, perdia-me em meus pensamentos e palavras. Me via dentro do livro de Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser, que havia lido anos atrás e dizia para mim mesma o quanto era difícil aceitar a um chamado do desconhecido, não compreender, não ter o controle sobre a sua própria vida e entregá-la, simplesmente entregá-la para algo maior, acreditando que por mais difícil que fosse o momento, ele era necessário para algo de bom.
Voltei minha atenção para as coisas simples das horas e vi o quanto é desafiador fazer o dia-a-dia acontecer. Passei a ir ver o mar, caminhar com os pés na areia da praia de manhã cedinho e respirar. Foram momentos difíceis, mas com o tempo fui fixando o olhar, me alimentando melhor, ficando de pé e vencendo o meu medo e fazendo prevalecer a coragem de abrir espaço para tudo que estava me acontecendo. Só depois de alguns anos pude finalmente pedir ajuda e nesse momento encontrei o Pathwork – um processo terapêutico, de autoconhecimento e desenvolvimento espiritual, baseado em palestras do Guia, canalizadas por Eva Pierrakos. Comecei então a trilhar um novo caminho que deu sentido ao que vivi, deu uma outra qualidade a minha vida, e que mais tarde me levou até à DEP – Escola Iniciática Dinâmica Energética do Psiquismo. Acabei me formando nas duas escolas e tornei-me terapeuta. Pude rever o que vivi e me preparar para “voar no limite improvável e tocar o inacessível chão", como canta Renato Braz na canção Sonho Impossível...
Voltei a fazer parte ativamente do mundo. Dessa vez mais atenta. Busquei, com bastante foco, desenvolver a fidelidade a mim mesma, a coerência com meu propósito e o respeito aos meus sonhos e utopias.
Só não sabia que tudo voltava como as 10 ondas do mar batendo na rocha.
Com o tempo venho aprendendo a contar as ondas para poder pular.
Sou eu aqui
De pé
Inteira
Verdadeira
Sou eu aqui
Aprumada e atenta
Às rajadas de vento
Aos movimentos
Sou eu aqui
Lambendo as feridas
Focando o olhar
Pronta para a partida
Para algum lugar...