Em recente releitura de O Novo Testamento, um tema saltou aos meus olhos e ensejou diversas reflexões que desejo compartilhar com os leitores.
Revisando o Evangelho de Mateus, capítulo 2, li no versículo 11 – “E, entrando na casa, acharam o menino com Maria sua mãe e, prostrando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, ofertaram-lhe dádivas: ouro, incenso e mirra.”
Revisando o Evangelho de Mateus, capítulo 2, li no versículo 11 – “E, entrando na casa, acharam o menino com Maria sua mãe e, prostrando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, ofertaram-lhe dádivas: ouro, incenso e mirra.”
Meditando sobre esse versículo, dei-me conta da profundidade das informações que envolvem a busca pelo menino, o encontro, a reverência e generosidade com a oferta dos presentes nomeados pelo evangelista como dádivas.
Foi precisamente esse arremate da cena que fisgou minha atenção. Olhando-as do ponto de vista material e histórico, eram presentes valiosos. Olhando-as do ponto de vista emocional, eram demonstrações de reverência. Pensei que de um lado há a generosidade, de outro há humildade em aceitar as dádivas.
Essa cena remeteu-me a outras. Primeiro, a das Bodas de Caná, conforme o Evangelho de João, capítulo 2: 1-11. O que teria feito Jesus ao transformar a água em vinho naquele evento? Deu um presente aos convidados, pois o texto fala da qualidade excelente da bebida após a transformação. Depois, lembrei-me do episódio da mulher do vaso de alabastro, conforme o evangelho de Mateus, capítulo 26: 6-12. A cena é cheia de detalhes e de disputa de valoração, mas o fato a ser destacado é o presente caro que aquela mulher dá a Jesus que o acolhe e sem meias palavras se diz digno dele. Um presente tão caro que gera controvérsias entre os apóstolos. Por fim, lembrei-me da parábola do Filho Pródigo, conforme narrada no evangelho de Lucas 15:11-32. O texto fala de dois presentes. Um que é pedido por antecedência – a herança – e outro que é dado por merecimento quando o filho retorna e faz as pazes consigo e com o pai. Este o presenteia com roupas novas, calçados, anéis e uma festa regada com o bezerro cevado.
Nessas quatro cenas vi que Jesus recebe, dá e exalta o ato de presentear como reconhecimento. Após meditar sobre essas cenas, fiquei a pensar em seus significados profundos. Inicialmente, o fato de Jesus, que é a suprema realeza, não ter se oposto a receber presentes, nem quando criança, nem quando adulto em plena vida pública. Enxergo nas duas cenas a humildade do Senhor que tudo pode e de nada precisa, mas acolhe o que lhe é ofertado, ainda que seja material. Depois, a narrativa sobre o filho pródigo é cheia de simbolismos e ensinamentos. Começa com o conflito sobre receber sem merecer, prossegue com a perda do recebido e termina com as recompensas pelo retorno e reintegração ao lar. Nesse caso, destaca-se a magnanimidade do Pai que é fonte inesgotável de bênçãos, pois saqueada na primeira parte da história, está abundante na segunda parte. Por fim, o presente como transformação da cena que é o foco da narrativa das bodas.
Analisando essas cenas, sobretudo a primeira, dei-me conta das característica de presente: valor, vibração e significado. Pensei em valor quando meditei sobre o ouro dado a Jesus. Entendi que o valor não tem a ver com o custo alto ou baixo do bem adquirido para ser presenteado, mas envolve o empenho de uma soma que o doador faz em função das suas posses, claro, e da sua relação com o presenteado. Em outras palavras, o presente requer essa delicadeza de não ser mero repasse de algo, mas envolve a compra ou o desprendimento de uma soma ou objeto. Pensei em vibração quando meditei sobre o incenso. Tal como o conhecemos serve para aromatizar ambientes, em rituais religiosos ou não. Sua presença é apreendida pelo olfato de modo que não é necessário que sua queima seja vista, pois é sentido quando o aroma é propagado no ambiente. Essa reflexão ensejou-me pensar em vibração e na que está contida num presente, pois o que emociona não é o objeto em si, mas a doação. Muitas vezes, é o abrir o presente que causa a comoção que decorre da intenção de quem o ofertou que nem precisa estar presente na cena, assim como decorre do estado emocional de quem recebe. Em outras palavras, ao dar um presente o revestimos como nossa emoção. Por fim, pensei em significado quando refleti sobre a mirra, cuja função na antiguidade era servir de elemento para processos de conservação, entre eles o embalsamamento. Meditando sobre o tema, entendi que todo presente tem um significado, seja homenagear, como no caso dos Magos; honrar, como no caso da mulher do vaso de alabastro; comemorar, como no caso da parábola; enobrecer como no caso das bodas e ainda muitos outros significados possíveis.
Tendo chegado a esses níveis de reflexão voltei-me para as situações corriqueiras que envolvem dar e receber presentes. A memória histórica levou-me ao chamado presente de grego, ou seja, aquele que é um fake, uma traição, um problema um engodo. A memória social remeteu-me ao presente de urso ou de onça, ou seja, que é também um disfarce e tem por objetivo apenas zoar de um amigo ou demonstrar a um colega quão irrelevante ele é para quem o presenteia. Essa mesma memória levou-me ao conceito de lembrancinha. Nesse caso, o sufixo diminutivo pode indicar a desimportância da relação entre quem doa e quem recebe como pode indicar a relação de afeto entre doador e recebedor que se presenteiam com mimos como índices de recordação.
Enfim, meditando sobre o dar e receber presentes vivenciado por Jesus, que é modelo e guia, concluí que não posso mais dar presentes como antes, sem me dar junto com ele, sem colocar valor, vibração e significado. Portanto, a opção comprar um presentinho deixa de existir. Assim também não posso mais receber sem acolher com reverência um presente que me seja dado, mesmo que seja uma lembrancinha.