Neste ultimo fim de semana, andei retomando algumas leituras, no caso, Malba Tahan (Júlio César de Mello e Souza), um autor capaz de trazer ao texto matemático conotações poéticas da melhor qualidade. É o autor, dentre outras obras primas, de “O homem que calculava”, um livro com algumas dezenas de edições no Brasil e pelo mundo afora. Compete em grandeza com “Brincando de Matemática”, do soviético Y.I. Perelman. As duas melhores obras publicadas nesse gênero de literatura em todo mundo.
Enquanto Perelman mostra em seu livro, problemas e curiosidades estanques, sem necessariamente apresentarem alguma continuidade no texto, Malba Tahan nos traz as aventuras do calculista Beremiz em sua trajetória de descobertas e ensinamentos, como estivéssemos assistindo a um folhetim de televisão. Duas obras primas, mas nesta modalidade ficamos com medalha de ouro e o autor lá das estepes com a de prata.
Malba Tahan não teve o justo reconhecimento da Academia Brasileira de Letras. Claro que não. Ninguém poderia esperar daqueles bolorentos acadêmicos, que mal dominam as quatro operações elementares, suportassem quatro páginas dessas leituras instigantes, sem que fervessem irrecuperavelmente seus respectivos miolos.
Mas retomando a leitura, vamos a um intrigante problema proposto por Malba Tahan que envolve nossos ascendentes e descobriremos que é gente que não acaba mais.
A umas dezenas de gerações atrás, se nenhum nosso ancestral tivesse morrido, seriam tantos, que colocados um ao lado do outro, formariam uma fila capaz de ir da Terra ao Sol muito mais vezes do que imaginamos. Eu não sabia que tinha tantos parentes.
É uma aritmética muito simples. Vamos considerar que entre uma geração e outra haja um intervalo de 25 anos. Assim, 65 gerações corresponderiam a 65 x 25 anos = 1 625 anos. Já que estamos em 2021, vamos fazer essa subtração; 2021 – 1625 = 396. Vamos tentar calcular quantos eram nossos parentes ascendentes no final do século IV depois de Cristo; isso 65 gerações atrás, considerando-nos a primeira, numa ordem inversa.
Eu vou me considerar a primeira geração; 1 elemento. A segunda geração antes da minha, 25 anos atrás tinha duas pessoas, meu pai e minha mãe, a terceira geração anterior a minha, 50 anos atrás, 4 elementos (2 avós maternos e 2 paternos). A quarta geração 75 anos atrás; meus bisavós seriam 8. Já100 anos antes, os trisavós 16. Os tetravós 32, os pentavós seriam 64, os hexavós 128, os heptavós 256. Isso sempre de 25 em 25 anos. E assim por diante... Para chegarem até nós, sabem quantos “avós”, teríamos que ter na 65ª geração anterior a nossa, nos considerando a primeira? Exatamente 18.446.744.073.709.551.616 indivíduos. Como encontramos esse número? Multiplicando 2 por 2 exatamente 64 vezes. Para você entender veja:
1ª geração 1 indivíduo – você ou eu.
2ª geração 2 indivíduos – os pais
3ª geração (2 x 2) = 4 indivíduos – os avós
4ª geração (2 x 2 x 2) = 8 indivíduos – os bisavós
5ª geração (2 x 2 x 2 x2) = 16 indivíduos – os triavós
6ª geração (2 x 2 x 2 x 2 x 2) = 32 indivíduos – os tetravós
Vejam que na 6ª geração multipliquei 2 por 2, exatamente 5 vezes (sempre uma unidade a menos do que indica a geração).
Supondo que consegui explicar com alguma clareza, agora cabe a pergunta: Onde poderíamos colocar tanta gente?
Não ia caber em nosso planeta.
Sabendo que a superfície terrestre é de aproximadamente 510 100 000 000 000 metros quadrados, considerando oceanos e continentes, todo o espaço disponível (nos mares, desertos, regiões polares), se colocássemos 5 indivíduos por metro quadrado ia sobrar muita gente. Sobrar? Íamos precisar um pouco mais de mais de 7400 planetas iguais ao nosso para colocar esse povão todo.
Agora fica ao querido leitor e à estimada leitora o desafio de solucionar esse curioso paradoxo. Onde está o erro? Se 4 gerações atrás estava tudo certo, por que 1625 anos atrás, os cálculos nos levam a números tão astronômicos?
E pense nisso: você tem mais parentes do que imaginava!