Melancolia e ironia têm em comum a percepção do contraste entre a pequenez do homem e o seu desejo de transcender a si mesmo rumo a uma ...

Melancolia e Ironia

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Melancolia e ironia têm em comum a percepção do contraste entre a pequenez do homem e o seu desejo de transcender a si mesmo rumo a uma experiência do Infinito. Tanto o melancólico quanto o ironista manifestam a consciência do impasse entre a relatividade do indivíduo e o Absoluto a que ele aspira.

Outra característica comum às duas é o combate entre ideia e forma, sentimento e expressão. É através da Forma que o melancólico procura compensar o sentimento de vazio, o vácuo narcísico que lhe compromete a referência autoidentitária. A arte é um sucedâneo do Objeto Perdido, o que dá à criação artística um estatuto de essencialidade e transcendência.

No entanto, nem sempre a ironia se concilia com a perfeição formal. Por vezes a rejeita (como se vê em Augusto dos Anjos) em razão da rebeldia com que o ironista reage à perda do Objeto. Enquanto o melancólico sucumbe ao sentimento provocado por essa perda, o ironista reage a ele com um desdém que parece se alimentar do seu próprio fracasso.

Martiriza-o a constatação de uma linguagem que já não nomeia o mundo, engendrando sentidos a partir dela mesma. O ironista vivencia dramaticamente o embate que Augusto refere, em “Cismas do Destino”, entre “a ânsia de um vocábulo completo/ e uma expressão que não chegou à língua”. Em outra composição do paraibano (o soneto “A ideia”), um dado que confirma o malogro dessa luta é a referência à língua como um “molambo paralítico”.

Do ponto de vista retórico, a ironia ou antífrase ilustra uma ambiguidade – a de dizer alguma coisa pelo seu oposto. A dicção irônica, como observa Arthur Nestrovski, “divide o homem em homem autêntico e um outro homem, cuja existência só se dá pela linguagem – uma linguagem, porém, que conhece a sua própria inautenticidade”.

A ironia não se confunde com a mania, que segundo Freud “é o oposto (da melancolia) em seus sintomas”, já que concede ao eu, livre do conflito em que se consumia por conta da identificação com o Objeto Perdido, um excedente de libido que o torna eufórico e triunfante; constitui, nesse sentido, uma alternativa e mesmo uma antítese ao afeto melancólico.
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No entanto, se a ironia coexiste com a tristeza, ao mesmo tempo “ultrapassa-a” pelo que tem de compreensivo, mordaz, superior.

Diferentemente do humor, que supõe a resignação, a ironia aparece como um ressentido protesto. Segundo Susan Sontag (“Sob o signo de Saturno”, L&PM), ela “é o nome positivo que o melancólico dá à sua solidão, às suas escolhas associais”. Mas é bem mais do que uma denominação prestigiosa para a tristeza, ou um disfarce para a misantropia. Ao mesmo tempo que se funde ao sentimento melancólico, sendo conatural a ele, a ironia se lhe contrapõe por conta de um impulso racionalizante, filosófico e, sobretudo, crítico.

Isso faz com que ela, conforme observa Olivier Reboul (“Introdução à retórica”, Martins Fontes”) seja o contrário do humor. Enquanto no humor o sujeito “abandona sua própria seriedade, abdica da (sua) importância”, na ironia ele se coloca “bem acima do que denuncia ou critica”. Essa é também uma forma de resistir ao inexorável e “infausto” Destino, cuja voz o eu lírico de Augusto dos Anjos verbera num dos poemas mais importantes do “Eu”.

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