Especializei-me em poemas longos. Alguns são “tratados poético-filosóficos”, tipo VIDA ABERTA, que foi finalista de poesia do último Jabuti, ou 1/6 DE LARANJAS MECÂNICAS, BANANAS DE DINAMITE, que está para sair pela Arribaçã do Linaldo Guedes, lá de Cajazeiras. Um outro gênero, na mesma linha, foi o “rimance”, no caso A ENGENHOSA TRAGÉDIA DE DULCINEIA E TRANCOSO. Como me fascinam os “marcos” – cordéis de Leandro Gomes de Barros e João Martins de Athayde que narram a construção de babeis bem mais delirantes que a bíblica, fiz, também este MARCO DO MUNDO, de que aqui vão alguns trechos:
Abre-se o abismo de pedra e susto
e,
de cristal e prata,
duzentas e setenta cataratas,
como as de Foz do Iguaçu, na Garganta do Diabo,
cavam, sem problema, a fundação do poema.
(...)
E é aí que,
a propósito,
de la bruma de los siglos emerge la antigua capital del imperio,
coronada por cúpulas de palacios y iglesias,
dentre as quais a do templo más ricos del Orbe com su Torre Catedralícia,
en que se exhibe una Custodia en doscientos kilogramos de plata y oro,
maquete do que será o ápice
do Marco
e seu grande tesouro.
(... )
Não se faz ideia,
sequer,
do que vem nos contêineres.
Prosa
e verso,
talvez papel,
pois um nome que emergiu ali, foi El Universo, Biblioteca de Babel,
que,
depois,
ante a fragrância de begônias,
tornou-se Jardins Suspensos da Babilônia,
com rosas do Épiro,
lírios-do-zéfiro,
além de alstremérias, clívias, milefólios,
amarílis, rosinhas-de-sol, cestos-de-ouro, angélicas,
flores-da-Abissínia, glórias-da-manhã e trombetas-de-arauto,
tudo sublimado pelo aroma da tilândsia azul em torno de contêineres vindos do sul.
(...)
Aí um contêiner escapa da grande altura,
feito fruta madura,
rebenta-se,
e os operários,
surpresos,
dão com devoradores de sombras, que – não mais presos - assombram feito bando de cobras, no canteiro de obras,
juntos de um gato escaldado,
animais esféricos,
e,
pelos flancos,
elefantes brancos,
mais as vacas sagradas, bois de piranha,
velhas raposas, porcas misérias, jumentos sem mãe e leões de chácara,
a revoada de baratas tontas pronta pro satânico pânico,
a que se acresce o incêndio causado por seres térmicos.
(...)
Chegam
pra compor,
na Torre,
vários andares,
as extintas Mandchúria, Tchecoslováquia e Boêmia,
com seus lares,
bares,
bazares,
altares e lupanares,
mais eliminados reinos da Baviera, Nápoles, Prússia e Sardenha
além da Sereníssima Veneza do grande pintor Mantegna,
das repúblicas Liguriana e Cisalpina,
de exótica luz bizantina,
dos impérios Khazar e Romano,
Austríaco e Otomano,
a egípcia trinca - maia, asteca e inca - mais a União Soviética
( a Utopia que atropelou
a ética ).
(...)
Embora espere tanto de si quanto de um pianista de bar
ou de escultor de vitrina,
o Poeta tem,
à custa de disciplina,
a mente tomada de dados,
vindos de todos os lados,
e,
em atividade,
febril, feito complexo fabril que inclui minas, bancos, shoppings, restaurantes, hospitais, laboratórios,
exige que as rimas sejam reais obras-primas e em chapas de aço – como de esculturas monumentais – e, de quebra, também de pedra,
como o vigoroso Muro da Reforma,
em Genebra.
Sem sigilo:
rimas como pirâmides:
ex nihilo.
Rimas ricas
como de haicai com heaven,
not sky.
Quer versos... em pentagramas,
e eletroencefalogramas.
Não quer um sequer como São José na Sagrada Família:
triste,
last
and least.
Porque sabe que quando se empavona,
é mais pavão o pavão,
e que,
quando ruge,
é mais leão o leão.
E que também
na arte,
o todo é sempre menor
do que sua melhor parte.
Mas,
se tango é exagero argentino,
o do Poeta é este,
traquino:
sabe que em todo poema – isso já vem do sistema - há estrofes marias-vão-com-as-outras, cruzetas, que são como rodas traseiras das carretas,
que apenas levam peso, seguindo a dupla dianteira.
Mas sua exigência
primeira
é a de que todo verso tenha igual importância e, por igual, se eternize:
nada de corte de quilha n´água,
que na hora se cicatrize.
Quer rimas de trens com metrôs, Gestas e Dimas.
Quer que nuvem rime com fumaça, Graciliano com Graça, assim como Manet com Monet, o que é com não é.