Um dos períodos mais deslumbrantes de minha vida foi o que tive na segunda metade dos anos 60, em Pombal, indo dormir à meia-noite e despertando às 3, para ler o máximo que pudesse – já que o dia me era todo tomado pelo exercício da subgerência do Banco do Brasil da cidade ... e pela vida em família – Ione e nossos filhos Alexei Dmitri (de 66 ) e Andréia (de 67 ).
Pense no que foi me deparar com o julgamento de Cristo e Barrabás n’A República de Platão, quatro séculos antes da hora, num suposto julgamento entre um homem perfeitamente justo e outro, injusto, em que o segundo terminaria livre, o outro, na cruz. No que foi ver que em sua derradeira noite, Desdêmona conta a história matriz da de Ofélia e Hamlet – a da criada Bárbara e seu amante doidela, com a jovem morrendo afogada no rio, sob um mesmo salgueiro - como... premonição da morte da própria veneziana, em seguida, nas mãos de Otelo, o Mouro – the Moor (palavra que vi, iluminado, também significar charco, pântano). E pense no que foi dar com algo digno de Star Wars (o primeiro da série somente veríamos em 77) com o droide dourado – C-3PO –, na Ilíada de Homero (escrita por volta de 750 a.C. ) no ponto em que se lê que o deus Hefesto
“... saiu a coxear. Para lhe dar apoio, correram DUAS SERVAS DE OURO, COMO SE FOSSEM MOÇAS VIVAS, COM ENTENDIMENTO E ESPÍRITO, DOTADAS DE VOZ E DE FORÇA E CONHECENDO OS TRABALHOS DOS DEUSES IMORTAIS.”
Na época – 30 anos antes de meu primeiro computador e sem livrarias ou bibliotecas na cidade – eu não tinha como fazer isso, mas hoje fui ao Google ver como seria o texto original, que aqui está, para gáudio do nosso especialista em literatura grega e latina, Milton Marques Júnior:
"Και υπηρέτριες εβάσταζαν τον άνακτα, χρυσές, ομοιάζουσες με ζώντες νεάνιδες.Και εντός τους υπάρχουν νους και φρένες και αυδή και σθένος και μαθαίνουν έργα από τους αθανάτους Θεούς" (Όμηρου Ιλιάς, Σ.417-420).
Mas,
como bem lembrou nestes dias o Nelson Barros num de seus belos textos, o sertanejo tem – entre outras – uma grande frase:
- Tudo que é demais é veneno.
Eu me baseara, para limitar as dormidas a três horas por noite, num estudo da NASA em que se garantia precisarmos apenas de um sono pesado a cada vinte e quatro horas. Depois de algum tempo nessa longa série de delírios noturnos, entretanto, certa manhã - ao me aproximar da agência do BB - tive de me escorar na parede pra não cair na calçada. Passei a puxar o freio de mão.
Muito do que eu faria depois, porém, viria daquela época alucinante: o painel Homenagem a Shakespeare, da UFPB, de 97; os romances A Verdadeira Estória de Jesus (1975) e Relato de Prócula (2009); o romanceamento do Hamlet - em minha História Universal da Angústia (2005), e o Zé Américo foi Princeso no Trono da Monarquia (1984 ).
Nada que mudasse o mundo, mas que me mudou bastante.