Sento, ajusto o corpo, explico como será o corte, o estilo, o formato. A cadeira é reclinável; confortável. É só fazer as orientações básicas, fechar os olhos, relaxar e deixar o profissional das tesouras e outros instrumentos agir. Quero aproveitar o silêncio do salão, interrompido por uma leve música que toca baixinha, saída de uma caixinha estrategicamente instalada em algum esconderijo no ambiente. O estilo, algo tipo de blues/jazz/reggae. Tudo praticamente perfeito.
O barbeiro mal inicia sua missão e eu, paralelamente, quase começo uma soneca. E parto, momentaneamente, para outras paragens, outros tempos, outros corpos. Mas, o silêncio é interrompido. Existem clientes e... certos tipos de clientes.
O barbeiro mal inicia sua missão e eu, paralelamente, quase começo uma soneca. E parto, momentaneamente, para outras paragens, outros tempos, outros corpos. Mas, o silêncio é interrompido. Existem clientes e... certos tipos de clientes.
Retirado abruptamente do meu curto relaxamento, fico contrariado. Uma voz submerge no ambiente antes harmônico, semi-silencioso, quebrado apenas pelas orientações do barbeiro que, com esmero, se dedica a aparar barba e cabelo.
Em quase monólogo, um cliente, diferente deste que vos fala, inicia uma espécie de interrogatório curioso sobre o espaço, os serviços, a cerveja e uma lista de itens disponíveis na barbearia. Parecia um agente da prefeitura que quer saber sobre horário e tempo de funcionamento da barbearia, sobre o ponto e empolga-se com a possibilidade de tomar umas cervejas antes de ser atendido. Embala o "conversê" demonstrando ser expert no ofício de cliente barbado ao citar visitas a outras barbearias, tanto aqui como alhures, digo, em cidades distantes e até outros estados. Parece um hobby entrar em barbearias e iniciar conversas desnecessárias só para incomodar a clientela silenciosa.
O barbeiro responde quase que monossilabicamente, mas sem demonstrar contrariedade; enquanto eu, vítima daquele falatório, ao ter a paz de fazer a barba perturbada, permaneço silencioso. Lá se foi a paz da música suave, a tranquilidade da cadeira reclinada feito espaçonave que vaga pelo universo...
O visitante emenda o tema barbearia em outros, como paternidade. E passa a citar os próprios predicados como pai presente, da relação com o filho. Se verdade tudo aquilo, ponto e palmas para ele. É obrigação, mas, recomenda-se reconhecer quem faz sua parte.
Enquanto a barba é aparada, desenhada, ajustada, fica impossível não acompanhar a narrativa do vizinho-cliente que antes de sentar à cadeira da barbearia decidiu esfriar a garganta tomando umas duas cervejas vendidas no lugar. Pelo visto, a conversa vai longe.
De minha parte, restou-me desembarcar do relaxante ritual de ir à barbearia. Finalizado o serviço, levanto, pago, agradeço, recoloco os óculos e abro a porta... de volta ao silêncio barulhento das multidões das ruas. Resta seguir o bonde.