O velho Riobaldo estava em sua fazenda dando uma entrevista a alguém não identificado e a quem ele chamava de doutor. Poderia ser um sociólogo, um professor ou mesmo um jornalista.
Estava feliz e casado com Otacília, a quem ele se refere como sendo o seu amor de prata. Muitos e muitos anos antes, o adolescente Riobaldo foi convidado a alfabetizar o Seu Bebelo. Fazendeiro e Jagunço Seu Bebelo estava interessado em entrar para política. E foi em dia em que estava na casa de Seu Bebelo que Riobaldo presenciou a chegada dos jagunços em bando. Ficou impressionado e muito motivado a ser um daqueles homens do bando. Despertado o interesse não tardou que o menino pedisse para ingressar e seguir os jagunços indefinidamente. Encontrou aceitação por parte da mãe e do padrasto e assim começou a aventura de Riobaldo pelos sertões.
“...esbarrando aquele momento, era eu, sobre vez, por todos, eu enorme que era, o que mais alto se realçava. E conheci! Ofício de destino meu, real, era o de não ter medo. Ter medo nenhum não tive! Não tivesse, e tudo se desmanchava delicado para distante de mim, pelo meu vencer! Ilha em águas claras...”
Joca Ramiro que pertence ao maior bando de jagunços, é tido como uma pessoa de bem e muito respeitado, é assassinado por Hermógenes, jagunço do mal e extremamente cruel. Ele afirma sentir prazer em testemunhar a dor e o sofrimento das pesssoas.
Traços finos, beleza muito delicada, figura pequena contrastando com uma força e coragem sem igual, é assim o Jagunço Reinaldo. Com os seus belos e expressivos verdes olhos, chama a atenção de Riobaldo. A lembrança de um encontro anterior de muitos anos antes, época de infância, faz o jagunço reviver a mágica travessia do rio. Fica perturbado e atraído por Reinaldo. A convivência muito próxima, cotidiana, apenas contribui para que o sentimento de amor aflore em seu coração. Mas como poderia ele sentir atração por um outro homem. E quanto mais lutra contra o amor escondido, mais ele se intensifica. E continuou o amor platônico.
Em duelo para vingar a morte do pai Joca Ramiro, Reinaldo consegue matar Hermógenes mas também perde a vida, para desespero de Riobaldo, que perde o seu inseparável amigo. A decisão em abandonar tudo e seguir outro destino se faz presente para ele.
“... resoluto saí de lá, em galope doidável. Mas, antes reparti o dinheiro que tinha, retirei o cinturão cartucheiras - aí ultimei o jagunço Riobaldo! Disse adeus para todos, sempremente... desapoderei... aonde ia, eu retinha bem...a um lugar só... as veredas-mortas... de volta, de volta...”
O livro Grande sertão: veredas foi escrito por João Guimarães Rosa (1908 – 1967), romancista, novelista, contista, médico e diplomata brasileiro. É considerado o maior escritor brasileiro de todos os tempos. Foi membro da Academia Brasileira de Letras.
Livro surpreendente sob diversos aspectos. Leitura que desperta a curiosidade a todo momento, de linguagem totalmente permeada de neologismos e de difícil compreensão. A história é narrada de forma não linear, enquanto o protagonista faz referências e reflexões acerca de sua vida. Está longe de ser apenas uma história de jagunços. A primeira palavra do livro, “nonada", e a última, “travessia”, são metáforas utilizadas para explicar e se aprofundar no ambiente filosófico. As nossas batalhas interiores, nossos obstáculos e escolhas entre o bem e o mal.
Como leitura de apoio também escutei a opinião do Professor João Adolfo Hansen, historiador e crítico. Segundo ele, Grande sertão: veredas é um grande livro, é uma epopéia. Nele há evidências de conhecimento profundo do autor com Plotino (205 – 270), Camões (1524 – 1580) e Homero (750 a.C. – 898ª.C.). Na época em que o livro iria ser traduzida para o idioma alemão, Guimarães Rosa pediu ao tradutor para considerar peso 1 para o cenário, peso 2 para o enredo, peso 3 para a poesia e peso 4 para a mensagem filosófica contida na obra.
A nomeação dos personagens segue o caráter inerente a cada um deles. Por exemplo: Joca Ramiro significa “o que mira o sol”, porque na história ele representa o lado do bem; O nome Riobaldo significa “rio que segue inutilmente” porque na história o protagonista segue escolhas errôneas e colhidas com grande desgosto, sofrimento e decepções.
É uma história triste porque em vários momentos percebemos um Riobaldo questionador e inseguro. Ele luta muito, se esforça, corre atrás do poder e não consegue perceber que o grande amor de sua vida estava o tempo inteiro ao lado dele, sem ser notado. A cada travessia do livro, cada obstáculo vencido, ele amadurece e tira suas próprias conclusões.
“... igual galopavam saíam os chefes todos – assim o desenrolar dos bandos, em caracol, aos gritos de voz e cor. Ao que reluzia o bem belo. Diadorin olhou, e fez o sinal-da-cruz, cordial – assim, ele me botou a benção...foi o que disse. Dá sempre tristezas algumas, um destravo de grande povo se desmanchar. Mas, nesse dia mesmo em nossos cavalos tão bons, dobramos nove léguas...”