Fui Pilatos na Paixão de Cristo
e camponês paupérrimo,
que se dana e se zanga,
na caatinga paraibana do filme A Canga.
Fui,
também,
no cinema,
fazendeiro escravagista do Ceará dos inícios da República,
tenente de polícia nada abúlica, que perseguia um cangaceiro,
fui
pistoleiro,
delegado nada nobre,
fui aposentado... doente e pobre,
um pequeno tirano - empresário pernambucano,
e até Deus
( numa comédia
pra TV,
do Cristóvão Tadeu ).
-
Em junho de 1940 eu era um espermatozoide na gigantesca corrida de debiloides,
em meio a um Nilo, dilúvio, um Tibre... de que, na arca ou cestinho, escapei,
no óvulo,
em que – trêmulo como deveriam estar Rômulo e Remo - me enfiei,
o que não me impediu,
num lapso,
de ser a Besta do Apocalipse - conforme lavadoras de roupas, no rio de Pombal, no alto sertão paraibano – quando mostrei aos intelectuais da cidade,
incluindo um padre,
- Onde já se viu!,
como chegara à conclusão de que Cristo
jamais
existiu.
-
Fui ... Exu,
segundo o babalorixá de Fortaleza,
após um cru duelo de proezas, em que, atuado, me desafiava de todo lado,
e dancei,
ao natural,
sobre o fogo,
tive as mãos e os braços – incólumes - incendiados,
e venci o jogo
ao apagar ,
coisa muito louca,
várias velas do altar
com a boca.
Mas...
pés no chão:
eu,
de “origem humilde” ( lugar comum, mas... como não? ) fui – conforme os meus planos – aos quinze anos – o escriturário de uma loja de eletrodomésticos
e tive,
três anos depois,
o emprego número dois:
bancário
por doze meses
nada burgueses,
-
e fui – por três décadas – funcionário da estatal ... Banco do Brasil,
depois do que – de modo quase acidental, viu? - me tornei um “dirigente sindical”
e coisa e tal,
até que,
mais um ano ou dois,
depois,
me vi - bastante desconfiado ( com tal sorte, por me ver ainda longe, muito longe da morte ) - aposentado.
-
Quantas vezes fui piqueteiro, nada talibã, mas tirado pela polícia da sede do Paraiban e – sozinho - do estacionamento do BB,
cuja entrada eu fechara – um tanto bizarro – com meu carro,
aqui e ali a sofrer violências – felizmente breves, mas nada cômicas – como a de fura-greves na Caixa-Econômica.
-
Aí,
com ação sindical mais pausada,
fui... artista plástico – atividade durante anos abandonada – cáustico,
pois fiz,
no Sindicato,
num ato bastante específico,
político,
A Ceia,
clareando uma sensação de que vinha sendo tomado,
pois centrei-a... em Marx que, no lugar de Cristo, comove
ao dizer a Lênin e Stálin, Mao, Che e Allende, além de Fidel , Trótski, Ho-Chi-Minh, Gorbachóv,
que um deles o trairia,
o que faria ... de mim...
profeta,
pois o comunismo – se essa lembrança é correta – começaria seu fim
seis meses depois,
na queda do muro de
Berlim.
-
Aí – artista assumido, depois de tanto tempo sumido - expus
na Galeria Gamela,
na campanha – bela - contra a fome - desfechada por Betinho,
transformando-me,
do eremita, quase misantropo,
que sempre fui,
num filan
tropo.
-
Isso,
no momento em que,
eu,
que já fora, a um só tempo, ao nascer, filho e neto,
irmão,
primo,
e – de fininho – sobrinho,
me vi ... transformado,
vinte e tantos anos depois,
em homem ... casado:
com Ione,
a própria criação de la Divina
Proporzione
e,
ao mesmo tempo, genro e cunhado,
pai em seguida,
quando,
( é a vida )
tudo passado,
sem participar de novo complô,
me tornei
avô.
-
Aos vinte e um,
no sertão,
tomo posse no
BB,
realizado:
livrara-me do angustiante monitoramento dos pais
e da pecha de subempregado.
-
Nove meses,
em 97,
sem sair do ateliê,
pintei,
para a UFPB,
minha homenagem ao Shakespeare,
que chamo de Biu,
sobre o qual fui,
também,
viu?,
palestrante,
no encontro – em extensão com a cidade – promovido pelo CCHLA da Universidade,
na coincidente data em que nasceu e morreu – 23 de abril - em que teve, portanto, seu to be
e,
também,
o not to be.
-
Alvinho,
de 11 anos,
magrinho,
eu,
de luvas e muita moral,
fui o porta-estandarte da bandeira nacional,
ao ter a medalha de ouro ao fim do curso primário – lá em Sorocaba - da Escola Municipal.
E quantas vezes fui,
também,
o proponente,
contratante,
adquirente,
testemunha, avalista,
o supracitado,
eleitor,
abaixo-assinado,
procurador,
requerente,
presidente - até isso - do Conselho de Desenvolvimento Municipal
de Pombal,
e – felizmente – muito mais amigo de médicos do que paciente!
-
E aí estou,
chefe da carteira agrícola do Banco do Brasil por 4 anos,
subgerente depois,
por mais dois,
fase que,
mesmo mais efêmera,
tornou-me o romancista ... com a produção... imprevista
do Israel Rêmora.
-
Em 68 assumo o papel de dramaturgo ao escrever O Vermelho e o Branco,
e de ator teatral,
quase num tranco,
passando a ser, no palco, o líder do movimento estudantil que culmina com o assassinato do garoto Édson Luís,
no restaurante do Calabouço,
Rio.
-
No ano seguinte,
solto a franga:
torno-me encenador, com minha peça
A Canga
e
(de inexperiência ilimitada ),
fundo – com José Bezerra Filho – a Cactus Produções Cinematográficas Ltda.
-
68,
além de me pôr diretor de teatro,
botou-me de quatro:
tornou-me ... dono de um caminhão-caçamba a trabalhar ao longo da faraônica
Transamazônica,
o que acabou por me tornar – como reação .... necessária - inimigo número um dos controladores da área,
e,
por isso,
tinha de ser:
cabra marcado pra morrer.
-
Mas nada – evidentemente – deu certo,
pois inda tô aqui,
... um pouco mais
esperto.
E,
de repente,
o maestro Kaplan cria a Cantata pra Alagamar e – numa grande conquista - fui o seu
libretista.
-
E,
sem falha:
fiz versos,
também,.
pra Mahler,
Alban Berg,
Stravinsky ,
De Falla,
malta de gênios que me desencalacra a Professora Ilza Nogueira,
no Oratório Via-Sacra.
-
E eis-me libretista de ópera - Dulcineia e Trancoso - do maestro Eli-Eri,
e,
igualmente orgulhoso,
com igual gana,
roteirista de um balé,
que o maestro Carlos Anísio compõe pra coreógrafa Rosangela Cagliani:
Caldo da Cana,
-
Nada capiongo,
soltei-me no poema longo,
e – poeta – criei o Trigal com Corvos
... e a série que se completa,
se a vida nos próximos dias não me demite,
na edição de 1/6 de Laranjas Mecânicas,
Bananas de Dinamite.
-
Ah,
fui repórter ,
em Paraguay que se lê Paraguaje,
e Necrotério
(denúncia de um crime na Penitenciária local, muito sério) .
-
Fui ... cronista,
com os diabos!,
substituindo Gonzaga Rodrigues por um mês,
no jornal dos Associados
-
e ... crítico literário
com meu ... atilado “Sobre 50 Livros de autores brasileiros contemporâneos que eu gostaria de ter assinado”.
EPÍLOGO: JÁ FUI TUDO NA VIDA. SÓ ME FALTAVA SER ALPINISTA – é o que diz o Tom Mix (ou Hopalong Cassidy) num gibi, escalando uma montanha em perseguição a um bandido, coisa que vi quando menino e de que me lembrei, em 62, no alto - aos 21 anos - da serra que circunda Patos, no alto sertão paraibano, conforme foto minha, na ocasião, que vai ao lado.