A dor é um fenômeno da vida. Manifestando-se em diversos matizes, atinge maior complexidade quando diz respeito ao escopo humano, pois pode expressar desde um simples incômodo até um grande padecimento.
A depender de como seja encarada, ela pode levar quem a sente à estagnação, a uma espécie de cultivo masoquista dos próprios pesares, ou se tornar mola propulsora a novos patamares, funcionando como dínamo transformador, suscitando crescimento, aprendizagem, ressignificação.
Esopo, em sua fábula intitulada "A alcíone", narra:
"A alcíone é uma ave solitária, que vive todo o tempo no mar. Conta-se que ela, para se proteger dos homens que a caçam, faz seu ninho nos rochedos marinhos. Ora, certa vez, prestes a incubar, ela se dirigiu a um ponto extremo e, avistando uma rocha sobre o mar, aí fez seu ninho. Mas, saindo um dia para se alimentar, aconteceu de o mar, agitado por um vento violento, subir até o abrigo e, inundando-o, matar os filhotes. E a alcíone, assim que retornou, entendendo o que tinha ocorrido, disse: 'Mas, como eu mesma sou infeliz! Para me proteger da terra traiçoeira me refugiei no mar, que foi muito mais desleal comigo'.
Assim também alguns seres humanos, ao se protegerem, sem perceber, caem nas mãos de amigos muito mais nocivos do que seus inimigos."
Assim também alguns seres humanos, ao se protegerem, sem perceber, caem nas mãos de amigos muito mais nocivos do que seus inimigos."
A história alude a muitas dores: traição, perda, solidão, desconfiança, tristeza, luto. Tentar fugir do convívio com os outros, não eximiu a alcíone de se deparar com elas, pelo fato de que fazem parte da vida. A moral da fábula remete aos amigos que, na realidade, são verdadeiros inimigos, perigosos sobretudo porque neles depositamos a nossa confiança, não esperando qualquer malefício de sua parte. No entanto, é possível pensarmos também no quanto se perde, ao se tentar evitar os enfrentamentos que, possivelmente, venham a causar sofrimento. Por exemplo, o encontro com amigos queridos, que podem vir a ser verdadeiros irmãos, pedras preciosas em nossa trajetória, evitando-os por medo de sofrer.
Assim, olhar para as dores que nos atingem, buscando, primeiramente, acolhê-las para depois compreendê-las, vendo-as como processos naturais da vida, é optar pelo autoconhecimento, pela cura de si mesmo.