No meio da manhã as lágrimas da noite chuvosa já haviam secado na praça. O vento espiçava com força suave seus tentáculos fortes e invisív...

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No meio da manhã as lágrimas da noite chuvosa já haviam secado na praça. O vento espiçava com força suave seus tentáculos fortes e invisíveis sobre a grama, os balanços, os bancos de pedra e os galhos das mais altas árvores. No mais, era o silêncio. Uma paz ruidosa que se fazia presente em embalagens plásticas que rolavam sobre a calçada de cimento, nas folhas arrastadas aqui e acolá, no motor a impulsionar um veículo distante que se afastava cada vez mais até se perder do alcance dos ouvidos. E tão importante, a tranquilidade poderosa da voz do rádio a cantar mitologias, sertões, filosofias, pulsações. Zé Ramalho evocando deuses, mitos e sonhos delirantes e reais de Brejo do Cruz, do mundo anterior e interior em expansão.

Romarias de risos e lágrimas a percorrer a Paraíba do Sertão até o Litoral, mergulhar mares e rios, entrar nas caatingas e experimentar seus espinhos que penetram o tecido da roupa e da carne, respirar suas matas e se despir em seus desertos recentes dos cariris. De lá dos interiores das terras e seres paraibanos renascem deuses e heróis mitológicos, abraçados a vaqueiros e extraterrestres, parentes próximos e distantes, avós e pais, em "avohais" enuviados a um metro de altura da mente atordoada pelos dias, especialmente os literários dos Sertões descobertos por Euclides da Cunha, dos já íntimos de Graciliano Ramos e Guimarães Rosa.

E o próximo passo da praça é voltar à cerca feita de pequenas varetas a isolar o terreiro do sítio, da casa, do precipício, das paragens interioranas da terra berço. Tempos idos dos fantasmas noturnos a 'barulhar' assombrosos e silenciosos.

Saudade de mesas, recantos, plantas, olhos, fotos antigas amarelas e abraços repentinamente reconfortados na sonoridade melódica do violão, galopes e vestimentas do poeta sertanejo que beijou o mar e se despiu de amarras. Uma capa de couro, gibão musical a dedilhar na ponta dos dedos e explodir através da voz forte de Zé, da estirpe dos Ramalhos e de tantos outros nomes e sobrenomes do Nordeste. Flor sertaneja a reinventar-se na voz, montaria da força dos filhos místicos, das cantorias, das toadas, dos repentes.

O mesmo repetido acorde para a vida feito no braço fino do instrumento de viagens, resistente como um retirante que espalha lágrimas pela terra seca para reencontrar seu mundo, por mais tempo que demore. Na volta, quando o toque dos dias chuvosos conclamarem pelo retorno, o espírito do Sertão retoma a estrada após conquistar cidades de todos os tamanhos.

A música segue baixinho em tons poderosos. Ecoando na espuma branca do copo cheio, na promessa da viagem antes não feita, no ouro do sol quase cegante antes a acobertar-se com o lençol noturno, no salto de alegria dos sapos e rãs das primeiras chuvas da invernada na sinfonia de trovoadas e seus raios.

A natural árvore a reocupar espaços invadidos. A ave migratória de muitos lugares e pontos iniciais sorriem em galhas que se apossam a cada pouso. Espiral de vento seco a fincar a raiz dos pés na terra sem promessas, apenas o natural cordão umbilical a confundir o sangue com o pó que uma vez por ano se acalma com a estação das chuvas. Sim: "Acho que os anos irão se passar. Com aquela certeza que teremos no olho. Novamente a ideia, de sairmos do poço. Da garganta do fosso, na voz de um cantador". Viva Zé Ramalho!


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  1. Belo texto Clóvis Roberto.
    Seu estilo é simples e consistente.
    E... demos VIVA ao seu Editor Germano Romero...neste querido "Espaço".
    Paulo Roberto Rocha

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