No meio da manhã as lágrimas da noite chuvosa já haviam secado na praça. O vento espiçava com força suave seus tentáculos fortes e invisíveis sobre a grama, os balanços, os bancos de pedra e os galhos das mais altas árvores. No mais, era o silêncio. Uma paz ruidosa que se fazia presente em embalagens plásticas que rolavam sobre a calçada de cimento, nas folhas arrastadas aqui e acolá, no motor a impulsionar um veículo distante que se afastava cada vez mais até se perder do alcance dos ouvidos. E tão importante, a tranquilidade poderosa da voz do rádio a cantar mitologias, sertões, filosofias, pulsações. Zé Ramalho evocando deuses, mitos e sonhos delirantes e reais de Brejo do Cruz, do mundo anterior e interior em expansão.
E o próximo passo da praça é voltar à cerca feita de pequenas varetas a isolar o terreiro do sítio, da casa, do precipício, das paragens interioranas da terra berço. Tempos idos dos fantasmas noturnos a 'barulhar' assombrosos e silenciosos.
Saudade de mesas, recantos, plantas, olhos, fotos antigas amarelas e abraços repentinamente reconfortados na sonoridade melódica do violão, galopes e vestimentas do poeta sertanejo que beijou o mar e se despiu de amarras. Uma capa de couro, gibão musical a dedilhar na ponta dos dedos e explodir através da voz forte de Zé, da estirpe dos Ramalhos e de tantos outros nomes e sobrenomes do Nordeste. Flor sertaneja a reinventar-se na voz, montaria da força dos filhos místicos, das cantorias, das toadas, dos repentes.
A música segue baixinho em tons poderosos. Ecoando na espuma branca do copo cheio, na promessa da viagem antes não feita, no ouro do sol quase cegante antes a acobertar-se com o lençol noturno, no salto de alegria dos sapos e rãs das primeiras chuvas da invernada na sinfonia de trovoadas e seus raios.
A natural árvore a reocupar espaços invadidos. A ave migratória de muitos lugares e pontos iniciais sorriem em galhas que se apossam a cada pouso. Espiral de vento seco a fincar a raiz dos pés na terra sem promessas, apenas o natural cordão umbilical a confundir o sangue com o pó que uma vez por ano se acalma com a estação das chuvas. Sim: "Acho que os anos irão se passar. Com aquela certeza que teremos no olho. Novamente a ideia, de sairmos do poço. Da garganta do fosso, na voz de um cantador". Viva Zé Ramalho!