Do alto do tempo olho o mundo, imenso mundo de universos desdobrado em universos. O mundo é globalizado mas o longe ainda é longe.
Meu Théo, de 13 anos, de malas prontas para ganhar o palco do mundo começando por si mesmo. Um pai, hoje de altura quase igual, ensinando a fazer barba, a dar nó na gravata. A mãe organizando a mudança em malinhas de mão e malões para várias estações. O Ginga pula para dentro da mala, parece que se falasse diria “me leva”, prometo nem latir. Ravi, parceiro, interage aliviando com brincadeiras a caótica situação. Escolheu como presentear o irmão, um telescópio para olhar o céu, as mesmas estrelas do céu destanoite estarão brilhando quando ele retornar em férias para o Brasil, será surpresa. O tempo despenca, acelerado, véspera de viagem não dá para se distrair e se perder em dar conta do recado imediato.
Sobre a mesa da sala de jantar um quebra-cabeças de 2.000 peças, uma tentativa gloriosa de ordenar o caos interior encaixando pecinhas. Todos que passam por ali montam um pedaço daqueles fragmentos espalhados.
Chego eu para o fim de semana, em torno de nós há uma atmosfera de celebração gloriosa e também tristeza em saudade antecipada que todos se empenham em camuflar.
Em tudo, à maneira brasileira, acontece um ritual de iniciação. Chegam os tios e tias, as primas. Os presentes, o crucifixo, a santinha, as cartas escritas à mão, os conselhos. Tudo glorificado pelo bom humor do Théo que se senta ao piano e toca uma música do repertório novo ainda com a toalha de banho enrolada no pescoço. A música é triste, sinto eu, talvez nem seja, mas meu céu hoje está meio cinza, um azul claro desbotado. Quero estar o mais perto, dentro deste momento, vivê-lo em êxtase de amor a este menino que tanto bem me faz com sua música, com seu calor terno e puro. Theo é ainda uma criança, imaginativa, apaixonada, sensitiva, traz em si uma mistura de senso prático e alegria com um misticismo profundo. Seus olhos falam.
Antes de dormir — dormimos no mesmo quarto —, conversamos sobre Deus, esta energia perfeita de que somos feitos e nosso papel de criar com Deus a sequência de sua criação. Em tudo nos colocarmos inteiros, na paz dinâmica de fazer com gosto e prazer seja lá o que for.
Apagamos, quando a conversa já foi partindo para o lado dos sonhos. Dia seguinte começa animado Théo lamenta que queria dar mais atenção a todos e que fica triste por não conseguir. Está feliz e respira o ar de sua juventude.
Vamos ao Shopping, na livraria ele busca por um livro de História e outro de Medicina para presentear o Ravi que no momento está interessadíssimo por estes temas.
Amantes da beleza, viajamos nas edições. Ele me leva para uma sessão completa de livros de bolso, ideal para viajantes, pede sugestões de livros, comenta sobre duas edições dos Irmãos Karamazov, uma brasileira, preciosa, livro de arte, e outra em inglês com letrinhas apertadas em papel fininho como os papéis das Bíblias, não tão bonita mas rica em informações, a começar pelos nomes russos.
Ele me diz que não consegue ainda gostar de poesia. Nem parece que converso com um garoto de 13 anos, sugiro alguns livros para acrescentar na bagagem e penso que sua mãe vai me matar pois nas malas não cabe nem o ar da graça. Mas lá vai “Cartas a um jovem poeta“ de Rainer Maria Rilke.
Sugiro que os livros de Shakespeare ele os leia em inglês. Conversamos sobre literatura brasileira, com tal ânsia de troca de conhecimentos que parecia que o mundo ia se acabar naquele instante. Mais livros para a mala, Machado de Assis; Jorge Amado ficará para as férias na Bahia.
Depois, sessão café da tarde e sou entregue à domicílio em Tatuí, onde nos demoramos na biblioteca, numa conversa interminável. Temos em comum esta paixão pelos livros, pela música, pelas Artes.
Quando fechei a porta e olhei pela janela o carro se distanciando caminhei feito barata tonta pela casa, liguei a TV sem assistir, um banho quente foi me trazendo de volta ao real e senti um imenso vazio de céu no meu coração. Ali brilhava uma estrelinha plena de substância e vida.
Que Deus te acompanhe Théo, com sua falange de Anjos, aqui ficou uma vovó orgulhosa pelas suas conquistas.
Chegou a tua hora de aproveitar esta oportunidade em diversos tipos de experiências com as quais seu espírito mutável irá se deliciar. Quero saber de tudo, tim tim por tim tim. Aguardarei você numa chamada Zoom e serei amiga do tempo para te rever com os olhos alegres, brilhando de contentamento.