Entre os ofícios de pai, está o de comemorar o aniversário dos filhos – e comemorá-lo da melhor forma possível, provendo-o não apenas do material como também do espiritual. E tudo devidamente documentado com fotos e filmes para depois, olhando esses registros, todos na família confirmarem que estavam felizes. Nada pode dar errado e comprometer o sucesso do evento.
Ele sabia disso mas naquele momento, por escassez de ânimo e sobretudo de pecúnia, não estava disposto a pa(i)trocinar a festa. Tinha nessa indisposição o apoio da mulher, que não queria ouvir falar de barulho em casa. Mas como convencer a filha de nove anos, que havia meses antecipava a comemoração e tudo que a ela se associava – o bolo, os presentes, a vinda da melhor amiga?
– Já sei – disse a mulher, que nesse terreno (como aliás em muitos outros) tinha as melhores ideias. – Compramos um bolo, uns guaranás, e chamamos só a amiguinha. Depois servimos um lanche, e ninguém canta parabéns!
Essa era uma recomendação importante. Se cantassem os parabéns, todo o prédio ficaria sabendo e talvez muitos vizinhos se ressentissem e até deixassem de falar com eles. Um problema de relacionamento que deveriam evitar. A mulher tinha mesmo grandes ideias! O jeito era fazer uma festa em surdina e, com o silêncio, disfarçar a comemoração. E só convidar essa amiguinha, que por sinal tinha um irmão...
– Convida-se ela e o irmão, pronto! E nada de parabéns – a mulher reiterou.
Ele chamou a aniversariante e lhe explicou a situação: pouco dinheiro, cansaço dele e da mulher, daí a festinha sem o cântico tradicional. A garota ouviu perplexa, e não se sabe como o seu espírito processou essa deliberação. A música era o clímax, o apogeu; ela é que coroava a entrada da pessoa em mais um ano. E, se não havia canto, não haveria também o clássico soprar de velas, que era uma forma simbólica de enterrar um pedaço morto da vida. É claro que a menina não formulou com tais palavras o seu protesto, mas via-se pelos olhinhos tristes que podia estar pensando em algo dessa espécie. Diante dos pais inflexíveis, acabou se resignando à festa muda.
Quando soube que iria sozinho com a irmã, o irmão da melhor amiga veio tirar satisfação. Seria o único homem numa festa só de mulheres! Por que não convidavam pelo menos o menino do 704, que por sinal já brincara várias vezes com ela, a homenageada do dia? O pai ouviu a ponderação e, achando-a razoável, transmitiu-a à mulher. Esta replicou que, nesse caso, era imperativo chamar também a menina do 901, cuja mãe era amicíssima da mãe do menino do 704. Ela fatalmente comentaria a festa com a outra, que terminaria, quem sabe?, contando tudo à mãe da menina do 602... Tudo isso poderia gerar inimizade entre condôminos acostumados a viver em paz.
– Faz então o seguinte – deliberou o pai, já impaciente. – Convida-se também o menino do 704 e a menina do 901.
Veio o dia da festa, e foram chegando os poucos convidados. Ele se comoveu vendo a filha desproporcionalmente feliz em relação aos presentes que ganhava – uma boneca (semelhante a outra que ela já tinha), um short de bolas coloridas, um joguinho bobo de encaixe. O que alegrava realmente a menina não eram esses objetos, mas os amiguinhos ali presentes. Compreensiva, ela procurava dentro do possível manter o silêncio recomendado. Um silêncio que se tornou insuportável quando, em volta da mesa, os meninos começaram a comer o bolo e tomar o guaraná.
Ele era o pai e, como pai, tinha que tomar uma providência. Trair a si mesmo. De repente pediu a atenção de todos e, sem que os garotos ou a mulher compreendessem, foi o primeiro a rebentar num grito que atravessou as paredes do apartamento como um descuidado anúncio de felicidade:
– 🎵 PARABÉNS PRA VOCÊ... 🎵