Não participava de festas. Maria se ofuscava mesmo, encolhendo-se qual caramujo, enrolada em suas hesitações. Todos saíam de casa, ela fi...

Solidão

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Não participava de festas. Maria se ofuscava mesmo, encolhendo-se qual caramujo, enrolada em suas hesitações. Todos saíam de casa, ela ficava solitária sem encontrar um brilho no horizonte. Criava um gatinho de pelos lisos, manhoso, gordo, preguiçoso que alisava com suas mãos esquálidas e unhas por fazer. Nunca passara batom no rosto ou procurara se atualizar com a moda. Achava uma afronta à sua maneira conventual de viver.

Decerto o nome que lhe puseram na pia batismal, simplesmente Maria, a enternecia, sobremaneira, posto homenagear a Mãe de Jesus. O pai era ateu e ficava indiferente, bebia lá seus porres, saía com amigos para noitadas, sem ter que dar contas a ninguém. D. Elvira, mãe de Maria, não suportando o estilo de vida desregrada e desalmada do bendito marido, fugiu para suportar os quase setenta anos na companhia de uma irmã paralítica, a quem prestimosamente servia, exercendo a caridade que aprendera nos livros de catecismo.

Maria nunca ia visitá-la. O gatinho era seu bibelô vivo. O símbolo da mais soberana renúncia aos festins a que jamais se acostumaria, dada a sua formação: a avó tornara Maria preparada para um hábito de freira.

Assim, melhor permanecer no seu retiro permanente. Gostava de cozinhar, preparava almoços, lia receitas de bolos e pudins para aniversários da vizinhança e mesmo de crianças da família.

Porém, não a convidassem que ela não iria. Todos a deixavam entregue à sua voluntária solidão e compreendiam-na à maneira de seu Alceu: era, sem dúvida, uma neurótica. Por que bonita e bem feitinha de corpo, em plena juventude, evitava o contato com a sociedade? As colegas de outrora do colégio arquiepiscopal todas se casaram, já tinham ninhadas de filhos, passavam por ela, contavam novidades e Maria ficava apenas sorrindo, alisando o bichano, sem palavras. As contemporâneas saíam comentando aquele comportamento estranho, lamentando o futuro de Maria, dentro daquele casarão, o gato morto, ela velha, doente, esquecida por todos.

Na verdade, uns partiriam, outros cuidariam de suas vidas, era a lei da natureza. Quando menos esperaram, Maria sumiu. Os pais, parentes e amigos se colocaram à procura daquela moça de modos extravagantes, cujo rumo era um mistério. Tudo em vão. Os anos passaram. Cansaram de buscá-la.

Seu Alceu, que não era mais o mesmo, forçado pelo reumatismo, olhava a única foto em que Maria era vista de braços dados com um rapaz (namorado?). Seu Alceu sabia muito bem a razão de a filha renunciar a tudo. Ele nunca deixara que ela se casasse. Nem que ingressasse num convento. Maria fugiu de si mesma.

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