Sobral Pinto – Heráclito Fontoura Sobral Pinto - foi um dos heróis brasileiros do século XX. Uma das unanimidades nacionais, um dos orgulhos da raça, assim como também o foram Oscar Niemeyer, Pelé, Villa-Lobos, Tom Jobim e alguns poucos outros. Um homem e um nome que se tornaram legenda, pairando por sobre as controvérsias, as querelas miúdas e contingenciais, como acontece com aquelas figuras de grandeza indiscutível, impondo-se até mesmo aos eventuais adversários.
Sobral Pinto, mineiro (mais uma vez, a presença avassaladora de Minas Gerais) de Barbacena, nascido em 1893, advogado a vida toda, católico praticante do nascimento à morte, defensor da cidadania e dos direitos do cidadão desde sempre. Um notável profissional, dos maiores do país,
fonte ■ T. Cabral
Sobral Pinto, o libertário, o defensor dos direitos e prerrogativas individuais, o advogado gratuito de presos políticos, o democrata, avesso a ditaduras e à prevalência da força sobre o direito. O anticomunista ferrenho que, em 1936, defendeu exemplarmente, e de graça, Luís Carlos Prestes, símbolo máximo do comunismo no Brasil, de quem conquistou o respeito e a admiração. O causídico zeloso que salvou Anita Leocádia, filha de Prestes e de Olga Benário, esta morta pelos nazistas na Alemanha, para onde fora deportada pelo governo de Getúlio Vargas. A menina foi resgatada dos alemães graças aos esforços imensos do defensor de Prestes, que providenciou o reconhecimento da paternidade da criança e toda a documentação necessária ao seu improvável retorno ao Brasil, já sob a guarda judicial do pai prisioneiro. Trabalho de Hércules.
Sobral Pinto, o também advogado, em 1937, do comunista Harry Berger (Arthur Ernest Ewert), alemão preso em nosso país, tão duramente torturado pela polícia de Filinto Müller que o causídico, num lance genial,
fonte ■ Memória da Democracia
Sobral Pinto, o ético absoluto que recusou uma cadeira no Supremo Tribunal Federal para que não restasse nenhuma dúvida quanto à sua lisura. Tendo ostensivamente apoiado a candidatura de Juscelino Kubitscheck à presidência da República, não quis, após a eleição e posse do mineiro, aceitar seu convite para ser ministro do STF, pois entendeu que poderia parecer aos olhos de muitos – ou dos maldosos — uma recompensa por seu apoio. Preferiu sacrificar o sonho pessoal ao escrúpulo republicano.
Sobral Pinto, a imagem viva da democracia e do Estado de Direito, que no célebre Comício da Candelária, no Rio de Janeiro, em 1983, em plena campanha nacional pela volta das eleições diretas para presidente, leu para a multidão delirante o cristalino e inobservado artigo da Constituição então em vigor, segundo o qual “Todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”. Síntese jurídica e política que dispensava quaisquer outros recursos oratórios.
Sobral Pinto, o assumido conservador, não o reacionário. Homem de hábitos cultivados com fidelidade. Morou mais de cinquenta anos na mesma casa da Rua Pereira da Silva, no bairro de Laranjeiras, casa comprada por insistência de seu vizinho Afonso Pena Júnior, que lhe emprestou o dinheiro para a aquisição. Católico de missa diária, de missal na mão. Professor de Direito Penal e Introdução à Ciência do Direito na PUC-RJ por mais de trinta anos, gratuitamente, apenas pelo fato de a instituição ser católica e pertencer à sua Igreja. Exemplo de desprendimento.
fonte ■ fb @Sobralofilme
Sobral Pinto, como dito, era anticomunista e, por ser profundamente católico, contra o aborto. Em algumas posturas foi certamente machista, no sentido de, em muitos assuntos, dar primazia aos homens, de acordo com a cultura de seu tempo. Coerente e corajoso a seu modo, chegou ao ponto de apoiar a censura do filme Je vous salue, Marie, de Godard, em 1985, por considerá-lo ofensivo à fé cristã. Sobral Pinto humano, demasiadamente humano, apesar de tantas virtudes e glórias. Mas que, num “mundo que se pretende plural e aberto a diferentes opiniões”, provavelmente seria hoje condenado como “politicamente incorreto”, conforme arguta observação do advogado e escritor José Roberto de Castro Neves. Veja só.
Monteiro Lobato andou sendo atacado por suposto racismo; agora, o americano Bukowski está sendo malhado por misoginia; Nelson Rodrigues tem sido vítima contumaz. E por aí vai. Fico a pensar quem restará incólume no julgamento implacável - e não raro desatinado – dos contemporâneos. Vê-se que até as posteridades mais sólidas estão desmanchando no ar.