Já não disponho, na mente, do mapa em detalhe ou mesmo geral da nossa João Pessoa. Um avanço além da cidade de quando cheguei e me vejo perdido.
Que diferença! Num sábado de véspera, esgotado o papo que nos caldeava a alma e o berço de origem na velha Casa do Estudante, Dorgival Terceiro Neto, ao nos recolhermos, veio com a ideia de, cedinho da manhã, sairmos num périplo pela cidade de então, que morria ao sul na Santos Stanislao de Oitizeiro, enviesava a sudeste pelo ABC da Joaquim Hardmann ou rua da Jaqueira, cortava o rio subindo o Varjão e torcia, escorregando pela beira da mata, deixando de lado o bairro de Jaguaribe.
José Américo ainda estava se preparando para calçar a Epitácio, contrariando o sonho do seu antigo presidente, João Pessoa, que, da sacada do Palácio, gizava na mente o que três prefeitos levaram uns cinco anos para fazer com a Beira-Rio.
Não precisa dizer que lombávamos a pé, abrindo caminho após o morro da Torre. Numa encruzilhada, às faldas do Tambauzinho de hoje, encontramos Hélio Zenaide, que saía da granja onde morava na várzea do Jaguaribe. “Eu só não vou com vocês porque estou esperando papai, que hoje é domingo”.
E, Dorgival na frente, saímos numa trilha quase igual a que tomou a bem cuidada estrada rural de hoje, a belíssima José Américo. Ainda subimos a barreira pelo lado do rio e descemos por vereda que resiste até hoje, a uns três ou quatro quilômetros do Cabo Branco, que Leon Clerot, no seu tempo, já achava comido nuns 500 metros em cinquenta anos.
Dorgival já havia ingressado na folha de pessoal do D.E.R, pouco antes de começar de cima na redação de A União. E não era filho de viúva como eu. O pai, o velho Melquíades Vilar, era fazendeiro do pé da Serra de Taperoá. Arriamos, às suas custas, na primeira barraca de curimã na brasa com cerveja quente. Depois de duas ou três garrafas bem tomadas, conseguimos acertar o ponto do bonde onde hoje é o mercadinho de Tambaú.
Desde esse 1951, até alguns anos mais próximos, eu mantinha na cabeça, imediato, o mapa e o traçado da cidade, com alcance desde Cabedelo a Mussumago. Há poucos dias me vi numa avenida sem saber onde estava, completamente areado, tal como me perdera, nos anos 1950, na noite do Rio. Só que agora eu estava em mãos seguras e amigas.
Por mais lento e amarrado que tenha sido esse crescimento, dos anos 80 para cá, a urbe litorânea se desatou ou dilatou-se.
Fiz censura a Fernando Guedes Pereira, presidente do IPEP de então, quando desprezou Oitizeiro, atravessou o contorno que João Agripino rasgara na capoeira e foi fundar o Valentina, já olhando para a estrada de Marés. Hoje tudo aquilo, serra acima e serra abaixo, é uma cidade só. Cidade de conjuntos, de gente pobre que ainda acende fogueira aos três santos de junho, mesmo com a Covid como vi, há pouco, levado à casa de uma sobrinha nas mesmas terras que Flávio Tavares foi esconder a morada e o atelier.
Mas para me sentir perdido não precisa, hoje, ir muito longe. No Ponto de Cem Réis já não me encontro, já não sei quem sou. Atravesso anônimo entre anônimos. Apenas um engraxate que não sei o nome nem ele o meu me oferece o tamborete e a sua escova. Ainda restam uns dois ou três no lugar onde o prefeito Oswaldo Pessoa lhes dera um pavilhão inteiro. Tinham uma freguesia de desembargadores, deputados, com quem conversavam e até davam sugestões. Davam a impressão de que a democracia entre as duas ditaduras era mais direta. Tanto que no Recife dessa fase o programa mais visto e ouvido de toda a região era o da cadeira de engraxate.