"AMANHÃ EU FAÇO", era o que estava escrito na plaquinha torta pendurada na parede do seu quarto. Foi um presente que ganhou quando era adolescente, mas até hoje ainda não agradeceu.
Sua tendência a “deixar pra depois”, começou ainda na barriga da mãe. Segundo o prontuário médico sua gestação foi de 44 semanas, fato inédito que intrigou e chocou a Sociedade Internacional de Obstetrícia. Houve acusações de erro médico, mas depois de muito estudo, exames e discussões acaloradas, a comunidade científica concluiu que não houve erro, apenas o neném não estava com pressa.
O parto era pra ser tranquilo, mas o menino simplesmente chegava na porta e não saía, teve que ser retirado a fórceps. Demorou quase uma hora para dar o primeiro choro. O peito da mãe, ele só “pegou” no outro dia e só abriu os olhos uma semana depois.
Era uma criança com todos os testes normais, mas tinha seu próprio tempo. Demorou pra falar e sua primeira frase foi “pera aí”. Aliás ele repetia essa frase como mantra, e deixava seu pai transtornado. “Vai tomar banho, menino”, ordenava o pai pela 8ª vez. Então ele gritava de onde estava: “pera aí, pai”.
— Vem comer doce, menino.
— Pera aí.
— Vai arrumar sua cama.
— Pera aí!
— Vamos jogar bola?
— Pera aí.
— Pera aí.
— Vai arrumar sua cama.
— Pera aí!
— Vamos jogar bola?
— Pera aí.
O pai não aguentava mais e um dia, já irritadíssimo com essa história, foi até ele e disse:
— Quero ver se você vai falar “pera aí” na minha frente.
O menino ficou calado mexendo no celular.
O pai insistiu e ele continuou em silêncio. Até que o pai já gritando, disse:
— Se você falar isso mais uma vez...
O menino então respondeu:
— Calma pai, PERA AÍ que eu já vou falar.
E assim foi sua primeira surra.
Ele foi crescendo e adiava tudo, até as idas ao banheiro ele segurava até o último segundo.
E ele curtia a procrastinação e se gabava de ter coisas pendentes desde os 4 anos de idade. Também ficou muito feliz quando a Receita Federal informou que sua Declaração do Imposto de Renda foi a última do país a ser entregue.
Depois que a frase AMANHÃ EU FAÇO virou seu novo mantra, ele ficou ainda mais confortável com os adiamentos. Se já não tinha pressa, agora nem se lembrava. Quando, por algum motivo, vinha uma vontade de ir ao banco reclamar de um saque indevido na sua conta, ele olhava a plaquinha e dizia pra si mesmo: ”Ah, besteira essa pressa, amanhã eu faço”.
A esposa sofria com seus adiamentos. Há meses ela aguardava providências para o conserto da pia que pinga, do varal faltando uma corda, do armário que não fecha, dos ganhos pra rede (esse era de seu interesse) e do pagamento do IPVA do carro.
Quando cobrado ele respondia: Calma! Pra que essa pressa? Já disse que “amanhã eu faço”. E assim, sem mais procrastinar, encerro a biografia resumida e inacabada do maior procrastinador do mundo.