O chato é um sujeito intermediário, ele está entre o sim e o não, aquele que nem foi e nem ficou, quer, mas não quer, nem ata nem desata. E, apesar de indeciso, se acha o sabichão, tem regras e palpites pra tudo.
Se fosse só isso a gente ignorava e tocava a vida, mas não é assim, o chato clássico faz questão de aparecer. É a autêntica mosca na sopa ou pedra no sapato, não tem jeito, acaba incomodando. É aquele cara que no final da palestra, às 13h, auditório lotado, todo mundo cansado, com fome, afim de sumir dali, e… adivinha quem levanta a mão pra falar? O chato, claro. Muito sem jeito o professor pede para as pessoas esperarem para ouvir a dúvida do colega. Ele então se levanta e com toda a formalidade própria dos chatos, espera todos se sentarem, cumprimenta nominalmente os integrantes da mesa e faz uma crítica longa ao professor que usou parte da aula para contar uma piada (boa, por sinal). Não se dando por satisfeito ele ainda lembra ao professor que faltou a data da entrega do trabalho proposto. Sob os fulminantes olhares dos colegas ele ainda sai de nariz em pé.
O chato é implicante e perfeccionista com serviço alheio, aponta defeitos, compara com o serviço da NASA e no final ainda diz que está caro. É um sujeito mal humorado até em feriado de sexta-feira. Não gosta de rir, não faz ninguém rir, não gosta da música que está tocando, reclama se tem sol, se tem chuva, se faz frio, se é perto, se é longe, se sobe ou se desce, se abriu, se fechou, se é de sal, se é de doce ou se é azedo.
Chato adora regras, quanto mais detalhes, protocolos, amarras e proibições, mais ele gosta, porque iguala a todos a um padrão robótico e evita a diversidade, o raciocínio e o bom senso. Chato detesta improvisos e mudanças de planos. Ir à festa com chato é muito chato, tem hora pra ir embora, não pode esticar em outra festa, repara no jeito que as pessoas se comportam, reclama do violeiro, faz questão de copo próprio para o que está bebendo, mas tem uma coisa que eu concordo com o chato, “se beber não dirija”, nisso eu sou chato também. Até o chato tem algum proveito.
Tem aquele tipo de chato que parece ter nascido com uma orelha e duas bocas, pois detestam ouvir as histórias dos outros, mas adora contar, com detalhes, seus casos. Quando ele conta, por exemplo, como foi sua mudança de cidade, ele começa tão do começo que vai lá no descobrimento do Brasil, passa pelas três Caravelas, pelas Capitanias Hereditárias, Tratado de Tordesilhas, Brasil Império, República Velha, Estado Novo, Ditadura, Abertura…. E, depois de intermináveis sessenta minutos monopolizando dois pobres ouvidos que escutam por educação a história, ele resolve criar um suspense e pergunta pro ouvinte:
— Você seria capaz de imaginar o motivo da minha saída da cidade?
Sem pestanejar e sem a menor expressão de dúvida o pobre ouvinte respondeu:
— Sim, claro. Te expulsaram, com certeza.