Muito já se escreveu sobre os intelectuais, sua atuação e sua função social. Podemos citar três obras praticamente clássicas sobre o tema,...

Intelectuais, mestres, doutrinadores

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Muito já se escreveu sobre os intelectuais, sua atuação e sua função social. Podemos citar três obras praticamente clássicas sobre o tema, sem demérito de outras, claro: A traição dos clérigos, de Julien Benda, Os intelectuais e o poder, de Norberto Bobbio e O ópio dos intelectuais, de Raymond Aron. Aqui não se pretende, evidentemente, tratar destas três obras, as quais demandam, cada uma, espaço para outro livro. Assim, abordarei o assunto em suas linhas mais gerais, suficientes, ao meu ver, para o modesto fim ora almejado.

Além dos pequenos poderes de que falou Foucault, na sociedade, sabe-se, delineiam-se três grandes poderes principais: o político, o econômico e o ideológico. Este último é o que interessa aqui, pois é exatamente o que é exercido pelos intelectuais (os clérigos de que fala Benda),
os homens de cultura, através da palavra. E em que consiste esse poder? Segundo Bobbio, esse é o poder que é exercido “sobre as mentes pela produção e transmissão de ideias, de símbolos, de visões do mundo, de ensinamentos práticos”. Ou seja, esse é o sutil e invisível poder que forja e inculca as ideologias que movem o mundo. Seus instrumentos de ação não são as armas, não são o dinheiro, mas os livros, os meios de comunicação social e principalmente as cátedras das escolas e das universidades.

O intelectual é portanto aquele sujeito que “faz” a cabeça das pessoas e, fazendo-a, tem a possibilidade de direcioná-la, de forma interessada ou não, seja para que lado for. É o guerreiro desarmado de Gramsci. E de Goebbels. E aqui, como a minha avó dizia, é onde mora o perigo.

Respondendo à pergunta “Quais são os deveres e a função do homem de cultura na sociedade”, Julien Benda, em seu famoso livro de 1927, é peremptório: “Os intelectuais têm a missão de defender e promover os valores supremos da civilização, que são desinteressados e racionais; na medida em que subordinam sua atividade aos interesses contingentes, às paixões irracionais da política, traem sua missão”. Esta seria “a traição dos intelectuais” que dá título à famosa obra. Para Benda, portanto, os homens de cultura devem (ou deveriam) ser tão “neutros” ideologicamente quanto os homens de ciência, se é que estes verdadeiramente o são. Em outras palavras, os intelectuais, para merecerem tal título, devem (ou deveriam) ser “desengajados” politicamente, se é que isto é possível, digo eu.

Para confrontar a “pureza” dessa posição, Bobbio cita Sartre e sua distinção entre “verdadeiros” e “falsos” intelectuais. Para o filósofo francês, apenas será verdadeiro o intelectual revolucionário, engajado, e falso, o que não o é. Como se vê, Sartre puxa a brasa para sua sardinha e prega o engajamento. E aí, indago eu, há saída para a antítese entre intelectuais “neutros” e intelectuais ideológicos?

Há quem diga que sim. Mas não ousarei enveredar por essa seara que certamente nos levaria longe. Quero agora abordar ligeiramente a figura do professor, esse cotidiano formador de corações e mentes, por cujas cátedras todos os que se educam têm que passar inapelavelmente, ao contrário do que ocorre com os outros tipos de intelectuais, os escritores, os jornalistas e os conferencistas, por exemplo, cuja audiência não é obrigatória mas opcional.

A questão resume-se a: pode (deve) um professor, seja de que nível for, legitimamente valer-se de sua cátedra e de sua natural influência para pregar deliberadamente, mesmo que de forma não explícita, sua própria visão de mundo, sua ideologia, quaisquer que sejam elas, mais doutrinando os alunos do que capacitando-os a escolher, por si sós, dentre as diversas “visões” e ideologias possíveis? Ou deve o mestre simplesmente apresentar aos discípulos, da forma mais isenta que puder, as principais visões de mundo, as diversas teorias e correntes, sem tentar impor nenhuma delas e deixando aos alunos a liberdade de opção, de acordo com o convencimento de cada um? O que é, do ponto de vista pedagógico, mais correto e mais honesto? Esta é a pergunta.

Bem sei que a resposta não é simples. Mas me indago se algum professor coloca para si mesmo esse fundamental problema antes de adentrar a sala de aula e tomar o seu imaginário e poderoso microfone. Afirmo logo que também já fui docente e não cheguei a refletir sobre isso, certamente por falta de maturidade e orientação, o que foi ruim para mim e para os alunos.

Outra pergunta que me faço é se é mesmo possível uma completa neutralidade ideológica por parte do professor, por mais que ele opte por ser neutro. É outra resposta que não é simples.

Com a palavra, os clérigos.

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  1. Ângela Bezerra de Castro2/8/21 17:39

    Há uma ordem de valores em todas as ações do professor, mas isso não implica ser um doutrinador. É quase impossível ser neutro. Mesmo quando abordamos uma questão de forma plural os alunos perguntam nossa posição. E não podemos fugir ao questionamento. Mesmo tentando respeitar a decisão do aluno, o professor influencia.

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    1. Obrigado, Ângela, por seu autorizado comentário.

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