A mulher do general Eurico Gaspar Dutra, sob certo aspecto, não fazia jus ao nome. Ou seja, não tinha a mansidão da mãe de Cristo, ou de outras servas de Deus conhecidas pela ternura e a compaixão, se for verdade aquilo que dela se conta.
E o que se diz? Pois bem, que foi Dona Santinha, católica fervorosa, quem exigiu do marido o fechamento dos cassinos e o fim do Jogo do Bicho. Também, que o general instalado em 1946 na Presidência da República erguesse uma capela no Palácio Guanabara. Faria mais: recomendaria, ainda, com a igual veemência, a extinção do Partido Comunista.
Os cassinos fecharam, a capela foi construída, mas comunistas e bicheiros sobreviveram nos quatro cantos do País, os primeiros deles em benefício do jogo democrático.
Mas vamos ao do Bicho. Foi uma invenção do Barão João Batista Viana Drummond interessado em sustentar o Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, nos idos de 1892. A ideia consistia em premiar com dinheiro vivo o feliz portador do ingresso cuja numeração coincidisse com a da figura de um dos 25 animais disposta numa caixa a ser aberta às 5 da tarde, em ponto.
Diz-se que o prêmio (20 vezes superior ao custo da entrada) logo atrairia multidões, pois o negócio evoluiu ao ponto de se dispor a qualquer um quantos bilhetes quisesse. Resultado: três anos depois de inventada a brincadeira virava jogo de azar impedido pela Prefeitura Municipal.
É claro que a proibição fortaleceu, ao invés de enfraquecer a jogatina. Histórias mais recentes passaram a falar da relação de bicheiros com o Carnaval carioca, das disputas a bala por territórios, de financiamentos a campanhas políticas e de subornos a autoridades, dentro e fora do Rio.
Na Paraíba, o Jogo do Bicho, mais do que a tolerância, obteve por décadas a fio o apoio governamental declarado e aberto. Entrou para o folclore político a resistência do governador João Agripino, após assumir o cargo em 1966, nos Anos de Chumbo, à ordem do general de plantão para pôr fim às apostas diárias: “Diga que eu acabo se ele me arranjar igual número de empregos que serão aqui perdidos”, respondeu ao portador. E eram dezenas de milhares.
Até 2015, a Rádio Tabajara, emissora do Governo, retransmitia, religiosamente, os sorteios que as bancas de bicho realizavam, no coração da Capital, com uso das roletas da Loteria do Estado. Foi quando duas portarias, então publicadas no Diário Oficial, retiraram dos banqueiros o mais obsequioso dos seus nichos. Ambas, somadas, proibiram o giro dessas roletas e o credenciamento de agentes lotéricos. E, a partir de então, esse jogo, na Paraíba, perdeu o seu mais famoso endereço.