O meu pai jamais deixou de reconhecer os pequenos e eventuais sucessos do aluno medíocre que eu sempre fui. Nessas pouquíssimas oportunidades, afagava-me a cabeça e saía-se com uma frase que repetiu praticamente durante toda a sua vida: “- É o segundo Castro Pinto! ”
Hoje, não ouço mais a voz do meu pai, o bordão que soava altissonante, repercutindo nos quatro cantos da casa da Rua Desembargador José Peregrino, 321, cujo teto o abrigou durante exatos quarenta e oito anos.
Se vivo fosse, seria a pessoa mais indicada para fazer a apresentação do fascículo sobre Castro Pinto, não obstante tivesse tudo para exceder-se pelo tom encomiástico, laudatório, com o qual certamente iria reverenciar o tio-avô ilustre. Verdade seja dita: o meu pai sempre se mostrou um perdulário em elogios àqueles que formavam o seu diminuto círculo familiar. Tanto que, mesmo diante das opiniões mais prosaicas do filho, dos netos ou de um parente remoto, não raro vislumbrava o borbulhar do gênio castropintiano. E lá se vinha com o indefectível bordão. Conquanto ingênua e até mesmo infantil, a psicologia do meu pai até que surtiu alguns efeitos no menino que eu fui. É que, a cada relato sobre o desapego de Castro Pinto às pompas do mundo, fui descobrindo – tal e qual o Drummond do poema “Infância” – que tinha em mão os ingredientes de uma história familiar muito mais bonita do que as aventuras de Robinson Crusoé. E a partir de então, Castro Pinto – o que não jurara fidelidade ao regime monárquico no ato da formatura; o que combatera com discursos flamejantes a escravidão; o que extinguira a eleição à bico de pena; o que renunciara ao governo para viver um grande e verdadeiro amor com Dona Alzira Soares, tia do arquiteto Oscar e do neurologista Paulo Niemeyer – passou a ser um dos meus pontos de referência.
O outro foi Samuel Duarte, a quem o meu pai às vezes chamava de “São Samuel”, por atribuir-lhe virtudes tais que o faziam pairar muito acima da condição humana. Mas nem por isso as suas posições políticas deixaram de deitar raízes profundas na terra dos homens. Foi assim quando, deputado federal, votou contra o acordo militar Brasil-Estados Unidos. Ou quando, infenso à carolice dos anos 40 e 50, defendeu a legalização do divórcio. Já como Presidente da Seção Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em nenhum momento tergiversou na defesa da democracia ante o arbítrio indiscriminado do regime militar. E editor-chefe da revista “Farpa”, em torno da qual reuniu nomes como os de Nelson Werneck Sodré, Otto Maria Carpeaux, Jaguar e muitos outros, não poderia ser diferente: jamais deixou de esgrimir o florete de sua ironia cáustica contra os poderosos de plantão.
Samuel Vital Duarte é o autor do fascículo sobre João Pereira de Castro Pinto. E quando escreve sobre o ex-Presidente da Paraíba, algumas vezes o faz como quem estivesse passando a limpo a sua autobiografia. Tanto que, não fosse a sua faculdade inata de conviver com os opostos, sobre ele cairia feito uma luva a seguinte “boutade” do poeta Mario Quintana: “(...) cada um só gosta de quem se parece consigo”. Acontece, porém, que as afinidades entre alguns biógrafos e biografados decorrem, quase sempre, de felizes coincidências. Coincidências que unem e nivelam os raríssimos homens de bem de todos os tempos e lugares.